segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mulholland Drive Fashion: Fantasia e Realidade


Resumo: O presente artigo faz uma leitura do significado da moda a partir do filme Mulholland Drive. Analisando a dicotomia fantasia/realidade e a temática do corpo social, o texto explicitará a existência de personagens vivenciados no cotidiano e o papel da moda inserido nesse contexto.
Palavras-chave: David Lynch, Fantasia, Moda, Realidade

Abstract: This article is a reading of the meaning of fashion from the movie Mulholland Drive. Looking at the dichotomy between fantasy / reality and the subject of the social body, the text explain the existence of people experienced in daily life and the role of fashion inserted in this context.
Keywords: David Lynch, Fantasy, Fashion, Reality


Joseph Campbell[1] diz que contamos histórias para tentar entrar em acordo com o mundo, para harmonizar nossas vidas com a realidade. Para ele, as pessoas buscam uma forma de experimentar o mundo, de sentirem-se vivas dentro dessa metafórica realidade. Assim, através do simbólico e do onipresente, encontra-se um conceito relativo sobre o que seja essa realidade.
O filme Mulholland Drive[2] – Cidade dos Sonhos no Brasil - do diretor David Lynch faz um retrato da indústria norte-americana de cinema ao tempo em que significa uma ruptura com o star system americano e com a maneira uniformizada de filmá-lo, de se depender do sistema para conseguir filmar.
O enredo:

“(...) explora a indefinição entre o sonho e a vigília, a idéia de que a realidade assumiu uma forma cinemática e de que é já impossível estabelecer com clareza os limites entre o real e o imaginário. Na prática, a narrativa dedica quase duas horas a um registro onírico, à crônica de um pesadelo. É a distorção operada pelo sonho para tornar suportável a realidade de uma mulher desesperada. É, assim, retrato do psiquismo de uma aspirante a estrela de Hollywood”.[3]

Encontra-se nesse trabalho do diretor a questão da retratação do sujeito inserido em elementos cênicos, ou seja, como metáfora da condição humana no que tange a constituição de um “eu-surreal” em um palco descortinado. E no decorrer da construção da narrativa vêem-se certos elementos sem qualquer conexão ou sentido maior na compreensão da obra como um todo, mas que devem ser encarados como ilustrações do acaso, ou até mesmo como uma brincadeira para o inexplicável.
Lynch acredita que o cinema seja a mais importante mídia já inventada e que tem por função contar estórias, ao tempo em que “tem o poder de mostrar abstrações e alcançar sentimentos que não podem ser obtidos de outra forma”.[4] Deste modo, ele lança mão para por em discussão a relação entre fantasia e realidade:

“As pessoas contam mentiras e estas são aceitas como verdades. Há muita ilusão, há muita representação no mundo real. E você vai ao cinema e há mais ilusão. Mas tem algo especial naquilo: quando você senta-se, as cortinas abrem-se, as luzes apagam-se e o filme começa, você entra num mundo novo, que tem certa realidade naquilo. Você vai adiante e essa experiência pode ser muito poderosa, tão poderosa quanto qualquer experiência em sua chamada vida real”.[5]

Segundo MERENGUÉ,[6] realidade e fantasia são conceitos absolutamente relacionados e relacionáveis, mas que não se determinam, necessitando a fantasia da realidade para ganhar corpo, e, a realidade da fantasia para não permanecer rígida e imutável. No filme de Lynch, observa-se o imaginário e o sonho “contaminando” o real, resultando em um “interessante discurso sobre o sonho e a visão num mundo inundado pela imagem”.[7]
BUENO[8] diz que as pessoas vivem conforme as expectativas dos grupos sociais, onde aprendem a ser conforme os outros os querem ver e, ao questionar sobre as fantasias liberadas para a supressão do real, chegou à conclusão de que há uma:

“(...) necessidade humana de elaborar e liberar fantasias (...) como uma catarse provocada pela própria sociedade normótica, isto é por uma sociedade que se tornou doente de si mesma, de uma forma narcísica e castradora do crescimento humano”.

Dado estarmos em um campo simbólico, constituindo-se assim um espaço social, personagens são apresentados interpretando papéis sociais, utilizando sua corporeidade, com uma função real que se traduz como uma função cênica. Deste modo, verificam-se máscaras variáveis que cumprem a necessidade estética da existência social. BOURDIER[9] acredita que se vive em um espaço social onde se é uma personagem social, ou seja, desse modo somos atores desempenhando papéis e funções em um ambiente socialmente constituído e determinante, no qual a moda cumpre função fundamental, tal como na atuação dos papéis sociais.
Admitindo que o corpo seja “apenas o suporte para a matéria que se transforma em cores, volumes, formas e consequentemente, estilo e/ou moda” [10], admite-se à fantasia, a possibilidade de incorporar as mais diversas identidades, permitindo desta forma, a interpretação de personagens, a invenção de signos, emblemas e símbolos. Para BOURDIER,[11] os símbolos exercem uma função social através de uma integração social, onde o poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido imediato do mundo, e em particular, do mundo social.
Seja pela necessidade de afirmação como pessoa ou, pela necessidade de afirmação como membro de grupo, a Moda tornou-se uma linguagem, um idioma, cujo vocabulário implica em inúmeros valores a serem considerados assim como sua temporalidade e subjetividade. Se, ao entender essa linguagem, compreende-se a sociedade contemporânea, percebe-se também que:

“Todos os movimentos de estilos – formas de expressão pelas aparências que meramente assinalam suas próprias existências, reagindo de maneira instintiva e irracional à sociedade vigente - cumpriram sua tarefa de esboçar e testar novos comportamentos e atitudes sob sua aparente superficialidade e futilidade”.[12]

Mais do que considerar a moda como um experimentar estético - no que tange à fantasia e ao superescapismo -, e sim, como um emblema estabelecido iconograficamente, há de se considerar que, mesmo que seja impensado, revela-se uma imagem para o mundo. Uma imagem que depois de emitida, pode não ser equivalente à imagem pretendida. Segundo MONTE,[13] Jung diz haver um perigo na persona[14], pois existem pessoas que realmente acreditam que são o que simulam ser.
De acordo com FISCHER-MIRKIN[15]: “Só você pode saber o quanto da sua persona procura revelar ou como quer ser percebida por amigos, colegas ou outros no seu mundo”. Ou seja, para ele, quando comunicamos nossa identidade visualmente, ou a comunicamos mal, os que estão à nossa volta formam impressões equivocadas sobre quem somos e reagem a nós em função disso. Assim, a consciência de como os outros ‘lêem’ a linguagem de moda emitida permite que a pessoa tome decisões relativas à vestimenta, baseadas não só no que é confortável e parece agradável, mas no como estão sendo percebidas pelos outros, constituindo-se desse modo, “um corpo social”.
A temática do “corpo social”, freqüentemente utilizada por sociólogos e proclamada por MAFFESOLI,[16] diz que o fato de experimentar junto algo é fator da socialização; ou seja, são coisas que só se compreendem pela presença do outro, com a presença com o outro. A “existência social” implica que a identificação agregue cada pessoa a um pequeno grupo ou a uma série de grupos e que, o reconhecimento de mim mesmo se dê a partir de algo exterior a mim, podendo ser um outro “eu-mesmo”, ou um outro enquanto outro.
Como aponta MAFFESOLI, o que importa é a questão: o que me une ao outro, o que me leva a me perder no outro, do mesmo modo que a preocupação consigo mesmo fortalece a preocupação com os outros. Dado o corpo ser construído para ser visto, ele torna-se assim, teatralizado e apresentado em espetáculo. MAFFESOLI[17] conclui que “o experimentar junto emoções, participar do mesmo ambiente, comungar dos mesmos valores, perder-se, enfim, numa teatralidade geral”, é o que faz sentido para o corpo que se “pavoneia”.
Os figurinos / roupas / indumentárias constituem-se como máscaras sociais, onde se reconhece esferas “teatrais” do homem com o seu ambiente, com o outro e, consigo mesmo. “Ficcionalizando-se” a vida e fabricando-se o real[18], vive-se em um mundo de metáforas, mesmo sabendo que toda metáfora seja um relato figurado, ganhando mais em consciência e perdendo em precisão conceitual.[19]
O resgate do filme Mulholland Drive vem explicitar a dita “sociedade do espetáculo” a qual se vive. Admitindo a sociedade que se dá de espetáculo a si mesma, o filme de David Lynch destaca os conflitos de se ser “uma pessoa em casa, outra na rua e ainda outra no outro mundo”.[20] CAMPBELL[21] e MAFFESOLI[22] destacam a necessidade do homem de estar contando histórias para existir, ou seja, construir uma realidade a partir de um vácuo teórico, concebendo imagens, tornando desse modo, missão do homem explicar, enfatizar, dramatizar e interpretar o mundo em que vive, sejam quais forem seus aspectos – físicos, sociais ou espirituais. A moda, então, através do vestuário, justifica-se como uma máscara social, cujo exterior reflete sua interioridade, fazendo o personagem existir enquanto desenhado em seus contornos.

“O mundo todo é um palco. E todos, homens e mulheres, apenas atores. Eles entram e saem de cena. E cada qual a seu tempo representa diversos papéis”. “Assim que nascemos, choramos por nos vermos neste imenso palco de loucos”.
William Shakespeare

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOUDIEU, Pierre. Poder Simbólico, O - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BRAGA, João. Reflexões sobre Moda, volume 1. - São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005.

CALDAS, Dario. Homens - São Paulo: Ed. Senac, 1997.

CAMPBELL, Joseph. Poder do Mito, O. - São Paulo: Palas Athena, 1990.

DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? - São Paulo: Editora Rocco Ltda, 1997.

FILHO, Ciro Marcondes. Sociedade Tecnológica - São Paulo: Ed. Scipione, 1994.

FISCHER-MIRKIN, Toby. Código do Vestir: O código do vestir: os significados ocultos da roupa feminina, O - Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

MAFFESOLI, Michel. No fundo das Aparências - Petrópolis: Vozes, 1996.

MONTE, Christopher F. / SOLLOD, Robert N. Por trás da máscara – Introdução às teorias da personalidade - Rio de Janeiro: Ed. LTC, 2006.

SHERER, Ana Maria / BOLLON, Patrice. Moral da Máscara, A: Merveilleuz, zazous, dândis, punks... - Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

Sites:
- http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/rubiniviolencia.htm - Acesso em 16 de Março de 2007 – 15h45min.
- http://www.igt.psc.br/Artigos/Fantasias.htm - Acesso em 08 de Agosto de 2007 – 14h18min.
- http://pt.wikipedia.org – Acesso em 09 de Agosto de 2007 – 10h20min.
- http://www.cinequanon.art.br/entrevistas_conteudo.php?iden=1&%20idli=1&take=1 – Acesso em 02 de Julho de 2009 – 15h10min.
- http://www.luisgouveiamonteiro.com/.../Mulholland%20Drive%202005.doc – Acesso em 02 de Julho de 2009 – 15h15min.

Outras Fontes:
- “Pagliacci... Larguem minha Fantasia! Fantasia: O Emblema da Realidade.”
Autor: Ivano de Paula Silva
Monografia de graduação do Curso de Design de Moda pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. As orientadoras foram as professoras Dhora Costa, Sandra Penkal e Suzana Avellar. FEBASP – Junho/2008.
- Cidade dos Sonhos - Título Original: Mulholland Drive: (2001) Direção de David Lynch - Touchstone Pictures / Universal Pictures / Imagine Entertainment / Le Studio Canal+
[1] CAMPBELL, Joseph: (1990).
[2] Originalmente, foi concebido para ser um programa piloto para a rede de televisão ABC, mas foi rejeitado e teve sua rodagem suspensa mesmo depois de ser adaptado para uma “minissérie” televisiva. Depois de meses, já como um projeto de filme, a produção voltou a rodar e o último terço do filme foi finalizado.
[3] Disponível em - Acesso em 02 jul.2009.
[4] Depoimento de David Lynch para Rogério Ferraraz. Disponível em – Acesso em 02 de Julho de 2009.
[5] Ibid 4.
[6] MERENGUÉ, Devanir. Disponível em . Acesso em: 16 mar. 2007.
[7] Ibid 3.
[8] BUENO, Marcos: Por que no Carnaval as pessoas soltam as fantasias nas fantasias? – Disponível em - Acesso em 04 ago.2007.
[9] BOURDIER, Pierre. (2003, P. 83 E 88)
[10] BRAGA, João: (2005, p. 19) Para ele a moda advém e é a diluição do estilo.
[11] Ibid 9. (p.7 e 9)
[12] SHERRER, Ana Maria: (1993)
[13] MONTE, Christopher F. (2006, p. 126)
[14] Personalidade deriva da palavra latina persona, que era o nome dado às máscaras usadas no teatro grego. (MONTE, 2006, p.86).
[15] FISCHER-MIRKIN, Toby(2001, p.15)
[16] MAFFESOLI, Michel. (1996, p. 34 a 41)
[17] Ibid 16. (p. 129, 162 e 163)
[18] Filho, Ciro Marcondes: (1994, p. 40).
[19] Caldas, Dario: (1997, p. 196).
[20] Da Matta (1997, p.120 – 122).
[21] Ibid 1. (p. 4)
[22] Ibid 16. (p.303)
OBS: Texto para a Pós Graduação em Direção de Criação em Moda - Disciplina de Moda, Sociedade e Realidade.
Fotografia: Glenn Close por Herb Hitts, 1994.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O mundo de Óz


A arte... a vida, uma maravilha.
Um ciclone.... fim de um tempo, promessa de um novo.
Fantasia e realidade... um espaço fantástico!!!
Uma linha do tempo... um mundo possível..
Uma estrada de tijolos amarelos.
Somos uma Dorothy... em busca do caminho de casa.
Somos um Leão... em busca de coragem.
Somos um Espantalho... em busca de um cérebro.
Somos um Homem de Lata... em busca de um coração.
Desejos contraditórios em busca de uma verdade.
O mágico... Ah, o Mágico!!!
Um olhar para si mesmo... uma viagem interior.
Assim... em algum lugar além do arco-íris,
Vôa a liberdade.
E os sonhos que você sonhou,
Se tornam realidade.
E eu penso comigo: Que mundo Maravilhoso!!!
OBS: Release para o Concurso It's #8 - Categoria Acessórios - YKK
Fotografia: "Google"

O Processo Criativo como a “Baba Antropofágica” de Lygia Clark


Segundo a filosofia de Aranha (1993, p. 345 e 348), a arte “é a percepção da realidade na medida em que cria formas sensíveis que interpretam esse mundo”. Seja qual for a experiência ou contexto, o homem enquanto ser consciente e sensível, terá a cultura como “referência a tudo o que o indivíduo é, faz, comunica, à elaboração de novas atitudes e novos comportamentos e, naturalmente à toda possível criação”.
Considerando o pensamento de Ostrower (1978, p. 11 e 12), o homem nasce e cresce, vivenciando e adotando comportamentos através de padrões culturais, históricos e conseqüentemente, coletivos. Deste modo, “desenvolverá enquanto individualidade, seu modo pessoal de agir, seus sonhos, suas aspirações e suas eventuais realizações”. Na obra de Lygia Clarck nota-se a temática do corpo coletivo como uma vivência de troca de informações entre as pessoas, como um entrelaçar de idéias individuais que criam um subjetivo novo.
Ao questionar e interpretar o mundo em que vive, o homem lança mão da imaginação, seja ela livre ou construtiva. A primeira, geralmente fantasiosa e não dirigida, contrapõe a imaginação construtiva , que representa um esforço consciente de criar um “produto” com vistas a que outros vejam, ouçam ou sintam as sensações e imagens que o próprio artista experimentou.
Analisando o processo criativo como uma projeção de imagens vê-se o potencial criador do homem surgir na história como um fator de realização e constante transformação, afetando o mundo físico, a própria condição humana e os contextos culturais.
Nietzsche ao abordar tal tema, diz do homem como criador de novos valores, sendo necessário destruir valores antigos e reelaborá-los. Desta forma se faz revelar um dos trabalhos de Lygia Clark: A Baba Antropofágica(1973). Nessa experiência sensorial, uma pessoa passa um carretel de barbantes na boca e solta passando a outras pessoas que acabam por engolir e misturar com sua própria baba. Essa experiência explica – através de uma metáfora - o ato de reinventar algo, ou seja, da criação nascendo de uma conjunção de referências pessoais, de uma corrente que se auto-consome.
O processo criativo abrange, portanto, a capacidade de compreender, relacionar, ordenar, configurar e significar, resultando em formas concretas traduzindo-se assim, em qualquer tipo de expressão esteticamente orientada transformada em símbolos e imagens visuais, verbais, cinestésicas, auditivas ou olfativas . Nessa busca de ordenações e de significados é que reside a profunda motivação humana de criar, ressaltando aqui, toda “subjetividade” nela inclusa.
OBS: Texto para a disciplina de Moda, Sociedade e Realidade do curso de Pós Graduação de Direção de Criação em Moda pela FAAP.
Fotografia: Lucas Samaras, Autopolaroids, 1969 - 1971

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Haute Couture




“O vestir é um modo de vida. Traz alegria para as pessoas e pode dar liberdade, além de ajudar a mulher a se descobrir e a se mover sem restrições.
O maravilhoso da minha arte é que o sonho e a realidade podem estar se tornando uma coisa só, pois é muito pequena a distância entre os dois.
Não é fácil para uma pessoa descobrir o seu estilo, mas uma vez descoberto, ele sempre trará muita felicidade e promoverá a autoconfiança.
Após tantos anos de exploração, a minha arte ainda me fascina, e digo que não conheço nada mais exultante. Muitas vezes me julguei impotente, até desesperado, mas sempre surgiram luzes no horizonte que permitiram que eu tivesse as maiores alegrias e, me atrevo a dizer, momentos de verdadeiro orgulho. Já disse o príncipe Matternich: a grande arte é durar”. -
Yves Saint Laurent

“Haute Couture” pode ser significada como uma técnica suprema para a execução da moda. Técnica suprema, pois, a alta qualidade de confecção e estética, caracterizam tal segmento que foi “fundado” no início da invenção do modernismo no meio do século dezenove em Paris. Nascente concomitantemente à máquina de costura,
[1] a Haute Couture ou a arte das técnicas da costura a mão, surge com o fim de estabelecer a distinção associada à velha regra. Na medida em que o produto de Haute Couture são peças únicas e feitas à mão, a roupa, assim como todo o ofício exigido, pode ser comparada com uma obra de arte, ao tempo em que reflete o espírito de uma época.
Patenteada na década de 1860,
[2] a Haute Couture é exclusivamente parisiense, ou seja, sua denominação de origem é controlada. Assim, com a criação da Câmara Sindical da Costura Parisiense, define-se que, o segmento só seria produzido em Paris. A capital francesa, considerada até hoje capital da moda, como o país, é sede das origens e conseqüente evolução do sistema da moda. Se foi em pedras francesas que se encontraram os primeiros registros de figuras humanas vestidas, [3] foi no mesmo solo que a dinastia dos “Luíses” se edificou. [4]

“A criação do alto estilo que encante a todos, e cultive a beleza de Paris. Estes são os ‘leitmotifs’ da Haute Couture, um trabalho que é reconhecido por aqueles que praticam a arte da perfeição, o mais simples de entender o mundo original de Paris”. - Laura Jacobs

Tendo o Palácio de Versalhes como palco e toda a corte como coadjuvantes, os “Luíses” imprimiram ao mundo um legado de prestígio, requinte, elegância, luxo e extravagância.
[5] Luís XIV, através de seus costureiros copiava os últimos modelos usados pelo monarca inglês Charles II e estabelecia como uniforme para seus empregados, a fim de desmoralizar o rei e a corte inglesa. [6] Ele, mais do que qualquer outro monarca, estabeleceu padrões dos mais variados possíveis, que se propagaram como fontes de estilo: “Luís XIV, o Rei Sol, leva para a França o prestígio de ser o epicentro definidor e divulgador de modos e modas, sejam eles masculinos e/ou femininos”. [7] Como todo espetáculo tem sua apoteose no final, toda uma era de teatralização à custa do povo, culminou com cabeças reais na guilhotina. [8]
Nas casas de costura, habilidades foram constituídas para a confecção de vestidos e para a alfaiataria, assim como em oficinas auxiliadas para habilidades relacionadas e ornamentais. Afinal, essa visão da costura, requereu não somente a liderança e a vontade de um couturier
[9], mas a potencialidade de todo um escalão de profissionais, que amparavam e permitiam a execução das idéias do mesmo. Seu “fundador”, se assim pode-se dizer, foi Charles Frederich Worth:

“Nascido em Bourne, Lincolnshire, Inglaterra. Começou a trabalhar aos doze anos, numa loja de cortinas em Londres. Um ano depois, iniciou um aprendizado de sete anos no armarinho Swan & Edgar, vendendo xales. Depois de trabalhar por pouco tempo na loja de sedas Lewis & Allens, Worth foi para Paris, em 1845. Seu primeiro emprego na capital francesa foi na Maison Gagelin, onde vendia Mantos e xales. Cinco anos depois, abriu um departamento de costura na loja. Em 1858, Worth fez sociedade com um negociante sueco, Otto Bobergh, e estabeleceu seu próprio ateliê”. - Enciclopédia da Moda

Ao mesmo tempo em que se destacava como desenhista, ele começou a fazer vestidos para sua esposa, Marie. Mas foi a partir de 1871, que dirigindo a casa de costura da Rue de la Paix sozinho, introduziu coleções durante o ano, proporcionando assim, mudanças constantes na moda de forma a promover as vendas. Assinando os seus vestidos como se fossem obras de arte, Worth trouxe uma forma mais agradável à crinolina, alisando a parte dianteira das saias e arrepanhando o tecido atrás
[10]. Aderiu a uma veste que ia até os joelhos e era usada sobre saia longa, caracterizado como vestido túnica, na década de 1860. Em 1869, elevou a cintura e criou uma espécie de anquinha traseira.
A expansão do patrocínio cultivado pela casa de Worth, permanece dependente em cima da sustentação considerável da Imperatriz Eugenie, esposa de Napoleão III. Sendo o preferido por ela, Worth teve seu sucesso propiciado pela influência e apoio da imperatriz, que ao solicitar o primeiro encontro com o couturier, já teve seu nome alçado ao desejo de qualquer mulher. Em 1870, com a queda do Segundo Império, Worth fechou sua maison, reabrindo no ano seguinte e, continuando o seu ofício,além de ter como clientes a nobreza européia e a sociedade internacional, passou a vestir atrizes como Sarah Bernhart e Eleonora Duse.
Famoso por seus vestidos toalete, criava para algumas clientes, coleções completas de roupas para todas as ocasiões. Ao redefinir a forma feminina e os contornos da moda com as modificações na crinolina e nas anquinhas, passou com os anos a eliminar o exagero de babados e adornos. Worth, com sua visão comercial foi considerado um excelente “vendedor” em seu apostolado pela moda.
[11] Seus trajes e, conseqüentemente os trajes da moda na época, [12] podem se descritos como: Vestidos com recortes, cobrindo corsets de espinhas de peixe; mangas abalonadas nos ombros, presas no cotovelo e justas até o pulso; colarinhos estreitos e compridos; saias compridas até o chão, com ancas amplas e pregas traseiras formando uma pequena cauda; e chapéus com exuberantes plumas de avestruz.[13] Sua influência foi tamanha, que fez com que fabricantes de seda da cidade de Lyon, fabricassem tecidos inspirados em suas cópias de ricos tecidos.
Como uma espécie de associação de artesãos, foi criada em 1868, a Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, constituindo-se assim uma união presidida sobre os diversos comércios de costura da França. Mas foi somente em 1885, sob a presidência de Gaston Worth, que ela adquiriu seu título ao concluir que a crescente concorrência entre os couturiers, exigia um gerenciamento mais específico e coerente. Passou a se denominar Chambre Syndicale de la Couture Française e estabelece os critérios pelos quais uma maison ganhe o status de Haute Couture. Ao supervisionar o trabalho de seus associados, começou a atuar sobre: as relações de trabalho; coordenação de coleções, ou seja, quem mostra quando dentro de qual período de tempo; sobre o registro e monitoramento de compradores de lojas internacionais e da imprensa estrangeira; sobre a direção das escolas da Chambre e sobre a administração dos regulamentos
[14]. Em 1911, a primeira denominação voltou novamente, e, passou a limitar o número de associados, bem como, estabeleceu outras diretrizes e regras rígidas para o funcionamento de uma maison de Haute Couture.
Um grande problema, já encontrado no início e, jamais solucionado pela Chambre foi a pirataria. Embora cada peça fosse registrada antes da exibição em um arquivo que incluía um esboço, uma fotografia e uma amostra do tecido, a reprodução foi inerente em toda a sua história. Qualquer que fosse a inovação ou tendência, irradiava-se pelo mundo afora. “Uma das razões pelas quais Coco Chanel nunca se juntou a Chambre foi porque ela achava que era uma hipocrisia estabelecer um estilo, e então trata-lo como segredo de estado”.
[15]

“A alta costura é dirigida por suas próprias aspirações para a distinção (...)”.
[16]

Mas é na Exposição Mundial de 1900, em Paris, que a Haute Couture exibiu-se perante o mundo, no Pavillon de L’Élégance. Tendo como modelos atrizes e cantoras, alguns costureiros consagrados, entre eles, Worth, Doucet e Paquin
[17] apresentam suas criações únicas e caras. A partir de agora, a moda vislumbrava não somente as cortes, boulevards, casas de ópera e cafés, mas a todo um público internacional sedento por espetáculo. Os couturiers passaram a partir de agora, a serem reconhecidos, do mesmo modo que Paris passou a ser o centro irradiador da Moda.
Com o novo século, pode-se dizer que a Haute Couture foi dramaticamente transformada em sua estética. Dispensado da Maison Worth, Paul Poiret eliminou o corset da vestimenta feminina, liberando a mulher, fato que médicos e ativistas femininas não haviam conseguido. Inicialmente a consciência de individuo de Poiret foi atacado pela maison de Worth como de não merecer a tradição da Haute Couture que Worth incorporou. Mas de qualquer forma, o novo comando progressivo do século foi permanecido inexoravelmente. As explorações e as inovações realizadas por Madeleine Vionnet,
[18] Jeanne Lanvin, Gabrielle Chanel, Cristóbal Balenciaga e por outros, foram também transformações vindouras do novo século. Século esse que, firmou-se os meios de comunicação necessários para difundir a moda.[19]

“Houve um tempo em que, os vestidos eram como monumentos, feitos de tecidos preciosos trazidos de terras distantes. Eram montados um após o outro – construídos da mesma forma que um arquiteto constrói uma casa -, devagar, com infinito cuidado. Não eram apenas para deslumbrar os olhos, eram feitos para durar mais que a geração que os concebia”.
[20] - Marcel Vertes

A Haute Couture pode ser dividida em sua estrutura em dois segmentos: Flou, confecção de vestidos; e Tailler, confecção de ternos e casacos. Após a idealização da peça pelo couturièr, a modéliste traduz o croqui e confecciona através da moulage com toile
[21], a estrutura da mesma. Após tal confecção, hábeis artesãos especializados em suas respectivas áreas, participam da continuidade da peça, do mesmo modo que outras oficinas passam a realizar a confecção de acessórios e ornamentos que provavelmente venham a compor a mesma. As habilidades dos artesãos são fundamentais para a criação. Concentrados em vários ateliês, obedecem a uma rigorosa hierarquia: o couturièr; a diretora de vendas, responsável pelos preços das peças assim como da administração financeira da maison; a modéliste, responsável pela estruturação da peça; as costureiras de primeiro e segundo nível, que trabalham aos pares nas salas de trabalho que por vez, possuem uma chefe que é a ajustadora; as aprendizes denominadas arpettes, entre outros.[22] Após a confecção da estrutura, o fitter conduz a cliente a uma série de provas, determinando assim ajustes minuciosos do traje ao tamanho da mesma. Worth estabeleceu à tradição que ajustou sua empresa a parte da confecção dos trajes ao mostrar coleções inacabadas, permitindo que os mesmos indicassem a sua estética para a cliente selecionar os projetos vantajosos.

“A prática do luxo permanece mantida pelas habilidades da mão que falam, por elas mesmas, do domínio, delicadeza e etiqueta. O que distinguiu a costura do traje de uma peça pronta é o trabalho com as mãos não funcionando como aumento do luxo, mas a capacidade intrínseca do traje. Desta forma, o bordado, o laço e penas (...) não são na verdade decorações que finalizam o traje, mas seus principais elementos permitem a criação que são os moldes do processo do projeto. Mesmo que praticado fora das maisons de couture, são inerentes nos projetos da Haute Couture”. - Haute Couture – O Museu Metropolitano da Arte

Enquanto a alfaiataria trabalha com a linha dimensional do corpo através de verdadeiros projetos de segmentos com telas firmes, a confecção dos vestidos procura formas esculturais com o uso de tecidos mais pliant, ou seja, mais maleáveis e suaves. Inúmeros ateliês localizados fora das maisons constituem-se verdadeiras oficinas de artesãos. Entre esses “metiers”, podem-se citar os que desenvolvem luvas, bordados com pedras preciosas, esmalte e trabalho de madrepérolas, chapeleiras, sapateiros e plumeiros. Os mestres de tais oficinas distinguem a costura de outras artes visuais, pois por exemplo, uma bordadeira pode fazer uma apresentação fictícia de jóias em um vestido ou mesmo recriar uma pintura, enquanto certos trabalhos com plumas articulam a forma de cada pena fornecendo assim, um controle absoluto fundado em ofícios antigos. Graças a tais artesãos, por exemplo, Schiaparelli tornou-se caracterizada pelos bordados do Ateliê Lesage, enquanto Lanvin tornou-se sinônimo do uso do trabalho com penas.
Tais ofícios, foram a justificativa de Lucien Lelong, presidente da Chambre Syndicale de la Haute Couture, dada aos nazistas quando Adolf Hitler quis em 1940 transferir a Haute Couture para Berlim. Sua justificativa baseara-se na sinergia entre as maisons e as oficinas, já que centenas desses haveriam de transferir-se para a capital alemã também. Estima-se nos dias de hoje, que cerca de trinta e cinco mil postos de trabalhos na França, participavam desse universo ímpar.
[23]

“Na verdade a Haute Couture tem um histórico invejável no departamento de perpetuação. Não apenas não fechou durante qualquer guerra – uma admissão de oral derrotada que poderia ter mais impacto no mundo do que se acha – ela foi na verdade desafiadora durante a ocupação. Criando roupas que eram crescentemente frívolas e absurdas, os couturiers decretaram desperdícios e extravagâncias propositais no uniforme das francesas patrióticas, um inconfundível acinte contra os invasores que podiam roubar recursos mas não roubar almas”. - Laura Jacobs

A persistência da Haute Couture nos períodos pós-guerras foi especulada e questionada, mas vingou-se sobrevivendo e florescendo com o “New Look” de Christian Dior em 1947.
[24] Do mesmo modo que a novela de Victor Magueritte, La Garçonne,[25] de 1922, inspirou as mulheres no pós-primeira Guerra, Dior o fez com o “New Look”. Tal renascimento da costura após uma guerra, foi subsidiado por muitos clientes norte-americanos, já que a economia européia ainda se recuperava em meados da década de 1950. A Couture permitiu assim, a restauração da estrutura econômica exigida por ela, perdurando seu sistema através do apelo da costura visual e da exploração de sucessos populares.
Após a guerra, nomes como Jacques Fath e Pierre Balmain iniciaram carreiras de sucesso na Haute Couture. Mas foi com a exposição “Theâtre de la Mode” em 1945, que a Chambre Sydicale de la Couture Parisienne organizou por todo o mundo, conseguindo mostrar a extensão da cultura e criatividade francesa aplicadas à moda. Tal exposição consistia em manequins em miniatura vestidos com trajes de Haute Couture.
Após seguir uma década de 1950 esplendorosa,
[26] a Haute Couture viu-se durante os anos 60 em uma cultura fervilhante. A corrida armamentista, o assassinato de John F. Kennedy, os Beatles, o movimento estudantil e a chegada do homem a lua em 1969, foram o cenário para o ready-to-wear norte americano ou prêt-à-porter francês. A produção em massa, chegava finalmente ao mundo da moda. Pierre Cardin foi o primeiro couturièr sindicalizado a apresentar uma coleção de prêt-à-porter. Adentrando o mundo da moda masculina, até então restrita aos alfaiates, estabeleceu o estilo unissex e antecipou o estilo hippie, que viria com força e ideologia totais, nos anos de 1970. Yves Saint Laurent foi outra figura vinda da maison Dior que, além de relacionar a moda com a arte, adentrou o mundo da costura em massa com sua griffe “Saint Laurent Rive Gauche” em 1966.

“A vida que apoiou a costura acabou. A costura real é um luxo que é simplesmente impossível de fazer mais”. - Cristobal Balenciaga

De lá para cá, o mundo evoluiu, o muro de Berlim caiu e a Haute Couture persistiu ainda mais. Depois da Segunda Guerra Mundial, Paris contava com cerca de cem maisons de Haute Couture. No período de 1966 a 1967, caiu de trinta e nove para dezessete maisons. Em 1987 contava com 24 maisons e em 2005 com apenas vinte. Muitas dessas maisons passaram a pertencer a grupos empresariais que, as transformaram em suntuosas vitrines para o prêt-à-porter, artigos para tratamento e beleza da pele, perfumes e cosméticos, muito mais lucrativos. A LVMH (Louis Vuitton - Moët-Hennessy), presidida por Bernard Arnault, controla o grupo Dior, Givenchy e Christian Lacroix, assim como as marcas de prêt-à-porter de luxo Louis Vuitton, Céline, Kenzo, Fendi e Pucci.
Já o grupo francês de luxo Hermès possui hoje 35% de Jean-Paul Gaultier, enquanto o grupo italiano Ferragamo é o acionista majoritário de Emanuel Ungaro. Por sua vez, a maison Chanel continua pertencendo à família Wertheimer, associada desde 1924 à criadora. A diminuição do número de modelos a serem apresentados e do número de funcionários nos ateliês, foram critérios adotados pela Chambre, visando suavizar os gastos das maisons.
[27]

"Se você começar a falar de preços, vai desmitificar a alta-costura, (...) talvez choque algumas pessoas. Mas se você matar o sonho com preocupações com dinheiro, é capaz de matar seu gosto pela moda".
[28] - Stephane Rolland

Vários nomes conhecidos do prêt-à-porter como Thierry Mugler, Versace e Jean Paul Gaultier, passaram a desenvolver linhas de Haute Couture. Como a cada coleção muitas maisons deixavam de apresentar suas coleções ou, simplesmente encerravam suas atividades, a Chambre viu-se forçada a partir da década de 1980 a abrir concessões e a convidar grandes nomes da moda a adentrarem o universo da Haute Couture, adquirindo assim, novidades para o segmento.
[29] Com o número cada vez menor de clientes, as maisons passaram por processos de reformulação, como a venda de suas ações para grupos empresariais, como foi já foi citado. Para Christian Lacroix, que diz ser suas clientes "As princesas do Oriente e as mulheres americanas”,[30] o segmento:

"A Haute Couture não acabou, (...) não saiu de moda neste novo milênio. (...)
Embora seja difícil, deve-se enfrentar a realidade: uma casa de alta costura não pode viver sem clientes. As costureiras das oficinas ganham a vida com os pedidos de vestidos de verdade para clientes de verdade. (...) Os estilistas devem lutar por esta forma alternativa de se criar moda, tão mais autêntica do que todas essas linhas triviais e desgastadas. (...) No mundo globalizado as pessoas buscam cada vez mais a individualidade, a diferença e a roupa singular. (...) Devemos explorar o investimento na alta costura de forma mais inteligente, usando essa criatividade única para traduzi-la em outras linhas. (...) Está tudo nas nossas mãos e o mundo está pronto para uma nova forma de vestir, inspirada na alta-costura. (...) Às vezes penso que o mundo da moda pode ser comparado com um governo ou algum tipo de administração estatal preocupado apenas com o curto prazo, sem nenhuma ligação com o mundo de hoje ou a idéia de futuro. (...) Certamente devemos redefinir também um novo prêt-à-porter de luxo. Mas isto não pode ser feito sem a alta-costura".
[31]

A Fédération Francaise de la Couture du Pret-à-porter des Couturiers et des Createurs de Mode
[32] está transformando lentamente a semana de Haute Couture, em uma semana de superluxo. Uma crescente combinação dos desfiles com lançamentos de alta joalheria, sapatos, acessórios, perfumes e chocolates, pode ser observada na semana destinadas aos desfiles. Tal federação contou com as seguintes participações para os desfiles de Haute Couture, outono-inverno 2006-2007, ocorridos entre os dias 5 e 7 de Julho de 2006:

- Membros: Adeline André, Chanel, Christian Dior, Christian Lacroix, Dominique Sirop, Franck Sorbier, Givenchy e Jean Paul Gaultier.

- Membros Correspondentes: Giorgio Armani e Valentino.

- Membros Convidados: Anne Valerie Hash, Carven, Elie Saab, Felipe Oliveira Baptista, Martin Margiela e On Aura Toutuu.

Os atuais desfiles-espetáculos de Haute Couture, que para alguns não passam de modelos carregando ilusão e sonho nas passarelas, com uma bela trilha sonora de fundo, constituem a vitrine fantástica e ilusória necessária à sobrevivência de tal seguimento. Giorgio Armani, recém convidado a desfilar Haute Couture com a etiqueta Armani Privè, diz gostar muito de John Galliano por sua genialidade e poesia louca, e sobre o fim da Haute Couture diz:

“Ela está mudando. Ainda há algumas pessoas que procuram por ela, existem mulheres que têm muito dinheiro e querem se vestir de maneira diferente, personalizada, e pagam por isso. Só que são poucas as que podem ter um vestido de sonho. Ele é o topo. É como ter um diamante grande: a maioria das pessoas comprará outros parecidos, mas menores, caso do prêt-à-porter, em que as coleções estão muito próximas da realidade”.
[33]

Muito se especulou e se debate sobre o declínio e o fim da Haute Couture. Tal tendência-profecia julga-se por alguns historicamente improvável. Por mais que as circunstâncias econômicas não favoreçam e o seu consumo tornando-se quase nulo, ela oferece com a costura, a distinção do projeto e da técnica que remanescem mais potentes, quando muito outra qualidade tenha atrofiado. Há tempos deixou de ser soberana ou ditatorial como fora uma vez, em dirigir todos os padrões da forma. Hoje a Haute Couture, mais do que um objeto de culto, é um experimentar estético
[34] em que estima as habilidades extraordinárias que continuam a ser praticadas, persistindo assim, como um paradigma do belo, da distinção e, talvez, da efemeridade das artes.

“A seda e o cetim não duram como a tinta numa tela, e além disso, quantos Picassos foram manchados por champagne ou por um canapé? As tendências na moda giram suavemente comparadas aquelas da música sinfônica ou ópera, aonde um louco, digamos modo, pode estar em voga em várias décadas. E ainda, um grande vestido na mulher certa pode ser tão importante e inesquecível como uma grande ária no soprano certo. Uma apologia puritana está em funcionamento quando o amor pela costura é considerado frívolo, porque são essas silhuetas que abrigam as esperanças momentâneas de uma geração, pegam as pressões atmosféricas do sexo, da classe, da alma e do caos e os embrulham em um pacote íntimo e sábio. A Haute Couture pode alegar poesia e dança como irmãs nas artes, a primeira por causa de seu destaque em interiores escondidos e sua forma de estrutura, a segunda pelo seu destaque na forma do corpo e vontade de mover, seu brilho luminoso. A Haute Couture junta a perfeição e a metamorfose em um equilíbrio surpreendente. Nisso ela esta sozinha entre as artes”. - Laura Jacobs





[1] A máquina de costura recebeu modificações no ano de 1851 de Isaac Merrit Singer, e demonstrou ser um instrumento para o maior rendimento da confecção de roupas, propagando-se rapidamente pelo mundo.
[2] LUPINACCI, Helóisa. Artigo da Folha de São Paulo: “ Mundo da moda fala francês com sotaque”.
[3] No mesmo artigo citado acima, a autora menciona o registro de figuras humanas usando folhas de árvores como “roupas” .
[4] Por dinastia dos “Luíses”, entende-se os reinados de Luís XIV, Luís XV e Luís XVI.
[5] Em KÖHLER (2001), observa-se que o marco inicial da revolução na revolução francesa se dá no casamento de Luís XIII com Ana da Áustria, em 1615.
[6] Em LAVER (2005), verifica-se o episódio onde o rei inglês, em outubro de 1666, em uma tentativa de se libertar da moda francesa, adota a maneira oriental de vestir. Menos de um mês depois, Luís XIV ordena que seus criados usassem trajes semelhantes do mesmo modo que os nobres franceses. Mas ainda segundo Laver, um dos primeiros exemplos de uma moda francesa se impondo na Inglaterra quase de imediato foi a das perucas fontage na década de 1690.
[7] BRAGA, João. (2005). Texto: “A Moda espetáculo e o Espetáculo da Moda”. Com a monarquia absolutista, a França obteve grandes avanços nos mais variados setores como o têxtil e o de cerâmicas. Com o embargo dos portos orientais, os franceses se “industrializaram”, passando a ter grandes tecelagens na cidade de Lyon e. Como exemplos, pode-se citar a Manufatura Real de Porcelana de Sévres e a Compagnie de Saint-Gobain, essa responsável pela construção dos espelhos do Palácio de Versalhes, que criada em 1665, foi parte de uma estratégia do Rei Luis XIV, objetivando restaurar a economia na França.
[8] Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta foram levados à guilhotina, iniciando-se assim a Revolução Francesa. Muitos autores notabilizam a consultora de estilo de Maria Antonieta, Rose Bertin, como os indícios do início da Haute Couture. Rose, segundo JACOBS, foi tecnicamente falando mais uma consultora de criação de alto estilo do que uma couturière, já que ao invés de impor sua visão em roupas de design próprio, ela trabalhava com suas clientes com espírito de colaboração. Maria Antonieta, por vez fonte de estilo para as mulheres, teve uma peça do vestuário denominada chemise à la reine. Era na verdade um vestido-camisa de cintura alta que daria origem mais tarde ao vestido império.
[9] Para Worth, que combinava a técnica inglesa de corte com a elegância francesa, foi inventada a palavra couturier, pois até então só tinham existido couturières, costureiras de corte simples.
[10] Em 1864, o próprio aboliu a crinolina, elevando as saias na parte de trás, formando também uma cauda.
[11] Charles Frederich Worth morreu em 1895 deixando seus dois filhos, Gaston Worth e Jean Philippe, o negócio que passou por 4 gerações antes de ser adquirido pela Maison Panquin em 1954. Gaston, além de administrador, foi o primeiro presidente da Chambre Syndicale de la Haute Couture, organização criada para proteger da pirataria, os estilistas. Já Jean-Philippe, assim como o pai, ficou conhecido pelos modelos toalete.
[12] Tal descrição de estilo é característico da “Belle Èpoque”, época onde a silhueta em “S” define mais facilmente tal estilo.
[13] As plumas de avestruz tornaram-se o adorno mais desejado, já que o seu preço elevado as transformava num símbolo de status social.
[14] Em 1914, por exemplo, um esforço para assegurar o fluxo de caixa decretava que os trajes não fossem pagos na hora da entrega, mas sim na hora do pedido. JACOBS
[15] JACOBS
[16] MARTIN, Richard e KODA, Harold. Haute Couture.
[17] Jeanne Paquin foi a responsável pelos nomes para a exposição. Ela firmou seu nome não somente como grande costureira, mas como uma criadora de moda também.
[18] Vionnet ficou conhecida pela utilização de técnicas de corte do tecido. Entre suas inovações, destacam-se o corte em viés e o corte em godet.
[19] A Vogue começou a ser publicada em Nova York no ano de 1892 e a Gazette du Bom Ton em 1912 em Paris.
[20] Ilustrador de moda da 1ª metade do século XX.
[21] Espécie de musselina usada para se tirar o molde, para somente depois fazer uso do tecido original.
[22] Tal hierarquia foi implantada por Worth em sua maison e tornou-se exemplo para as outras casas. Permanece pouco alterada nos dias de hoje, pois a Chambre Syndicale de la Haute Couture faz uso de certas tradições e protocolos.
[23] Em 1940 uma resolução limitava a metragem de tecido para a confecção de roupas. Como exemplo, quatro metros de tecido era o máximo permitido para a confecção de um abrigo, ao mesmo tempo que para comprar rayón, um dos poucos materiais disponíveis durante a guerra, era necessário cupons de abastecimento.
[24] O termo “New Look” foi dado pelo editor e jornalista Carmel Snow. Entusiasmado em 1947, com a coleção de Dior ao dar um olhar novo às habilidades finais da costura.
[25] O estilo garçonne predominou na década de 1920 e caracterizava-se por vestido solto de cintura baixa, cascão curto e chapéu. Chanel mais do que qualquer outra, imprimiu sua aura de mulher independente com esse estilo característico. Ela propôs uma nova estética do vestir, uma nova forma da mulher encarar o seu novo papel na sociedade.
[26] Durante a década de 1950, a moda de Paris era a segunda maior indústria de exportação na França, perdendo apenas para o aço. Fonte: Laura Jacobs.
[27] Fonte: Folha Online - 06/01/2002 – “Alta costura parisiense está reduzida a doze firmas” . Nos dias atuais, a Chambre exige além da confecção de cerca de setenta por cento da roupa costurada à mão, a produção por no mínimo vinte pessoas, de setenta e cinco peças novas e originais, seja para o dia e para a noite, assim como a apresentação de duas coleções anuais (Primavera-verão e outono-inverno).
[28] Stephane Rolland é estilista da Scherrer. Fonte: Folha Online – 12 /07/2001 – “Desfiles de Paris se inspiram em ‘viagens’ no tempo e no espaço”. O preço de uma peça de Haute Couture é certamente algo a ser discutido. Ver mais em Anexo.
[29] Para os novos membros, a Chambre instituiu a realização de pelos menos vinte e cinco peças para cada coleção, dia e noite, além da confecção por pelo menos dez pessoas em seu ateliê. Já para os futuros convidados, o número passa para quinze pessoas e o número de peças para trinta e cinco cada coleção.
[30]"The Essence of Haute Couture" - Documentário canadense da Fashion Television, exibido no Brasil pelo canal GNT.
[31] Christian Lacroix criou sua maison em 1987, graças ao consórcio mundial de luxo LVMH. Fonte: Folha Online - 02/07/2004 – “Estilista Christian Lacroix diz que alta-costura não saiu de moda”.
[32] Federação francesa que une os criadores de prêt-à-porter e os de Haute Couture. Estabelecida em 1973 funciona como órgão executivo de cada câmara do sindicato. Tal federação é composta pela Câmara do Sindicato de Alta Costura, pela Câmara do Sindicato de prêt-à-porter dos costureiros e dos criadores da Moda, e pela Câmara do Sindicato da Moda Masculina. Com aproximadamente cem membros, ela estabelece Paris como capital do mundo da criação e defende a propriedade intelectual de direitos como: etiquetas, criações, royalties, desenhos de moda e modelos. Fonte: www.modeaparis.com
[33] Entrevista de Giorgio Armani concedida a Bel Moherdaui, publicada na Revista Veja de 06 de Outubro de 2004.
[34] Experimentar estético no que tange à fantasia e ao superescapismo.
Foto: Desfile Christian Dior Haute Couture Spring/Summer 2004 - Fonte: Style.com
OBS: Esse é mais um "pedaçinho" da minha Iniciação Ciêntífica hein!!!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Desfiles de Moda




A Moda coloca a aparência comum em estado de teatralidade, sedução e espetáculo encantado” - Gilles Lipovetsky

O desfile de moda desempenhou papel fundamental no desenvolvimento da moderna indústria da moda, mantendo relações com as concepções mais amplas de gênero, imagem, desejo e relações pessoais no século vinte, já que o espaço fluído e teatral da passarela simultaneamente permite a construção da identidade de gênero como construção cultural.
Desde 1900 aproximadamente, onde começaram a se realizar desfiles em ateliês de alta costura e lojas de departamentos, e como eventos beneficentes, na Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, os desfiles deslumbrantes tendem ainda hoje, a ser só os de Haute Couture. Talvez porque ela tenha sempre se esforçado para ocultar seus elos com o comércio e o licenciamento, ressaltando seu status como produtora de criações únicas, exclusivas. Parte da mística da alta costura é que a cliente tenha a impressão de ser a única compradora de um modelo. O suntuoso mundo de sonho do desfile de modelos alimentava tal ilusão, mas também era posto a serviço de compradores e representantes de lojas de departamentos no prático negócio das vendas internacionais, já que por trás do “espetáculo encantado”, fecha-se os negócios.
Os primeiros desfiles não passavam de exibições privadas de modelos vivas, com música de orquestra e chá para às clientes que repetiam-se diariamente ao longo de semanas:

Em meados do século dezenove, quando o comerciante de tecidos parisiense Gagelin já contratava manequins de ateliês para desfilar por seu estabelecimento envergando xales. Em 1847, ele encarregou Charles Frederick Worth de enaltecer o produto enquanto as manequins desfilavam diante de uma clientela que incluía condessas e duquesas. Trabalhando em conjunto com a manequim Marie Vernet, sua futura esposa, Worth pôde tanto estudar os efeitos da roupa usada em movimento quanto aprimorar a lábia de vendedor. Ao inaugurar sua maison de couture em 1858, o casal importou o desfile de manequins e vendedora na maison Worth. Ela também treinava as outras manequins, e a inovação da Maison Worth foi ter sempre disponíveis várias dessas profissionais, que punham os vestidos para inspeção das clientes. Contudo, embora Worth lançasse duas coleções ao ano, não havia datas fixas, como agora, nem desfiles de moda organizados.
Além de empregar manequins, Worth fazia Marie deixar a privacidade do salão para desfilar as criações dele na pista de corrida de Longchamp e no Bois de Boulogne, ambos lugares de exibição de moda. Lá, ao contrário das manequins de salão, ela se misturava socialmente à clientela da Maison Worth
” - Caroline Evans

A idéia de contratar mulheres para exibir suas roupas em ambientes elegantes foi uma jogada promocional que precedeu o desenvolvimento dos desfiles de moda mais formais, assim como a idéia de mandar as manequins às casas de clientes importantes . Chanel promoveu suas criações mandando sua prima e sua tia desfilá-las na rua. A idéia adentrou o século vinte, com estilistas dando roupas gratuitamente a mulheres que ditavam moda e o costume persiste até os dias de hoje, com estrelas de cinema usando modelos de designers em eventos.
Desfiles começaram a ser organizados pelos ateliês de Haute Couture entre 1908 e 1910, em suas próprias dependências no horário da tarde. Um diferencial havia entre os desfiles teatralizados de Lucile e Poiret, que já iniciavam uma junção criativa dos limites entre os mundos de arte e moda., e os desfiles de Worth, Paquin e Doucet, que eram apresentações mais sóbrias, refletindo o status social da clientela que atendiam. Somente após 1918, com o aumento de compradoras estrangeiras em Paris, os desfiles começaram a ganhar datas fixas e o interesse do público masculino.
Os ateliês de Haute Couture também procuraram meios de promover seu trabalho no exterior. Em 1911, Poiret iniciou uma turnê promocional pela Europa com nove manequins, passando por Frankfurt, Berlim, Postdam, Varsóvia, Moscou, São Petersburgo, Bucareste, Budapeste e Viena. Em Varsóvia, os vestidos foram barrados pelos funcionários russos da alfândega. Poiret tentou “provar que não se tratava de mercadorias, mas de criações a ser exibidas como espetáculo” (Poiret 1931). Na realidade, cada turnê era uma viagem promocional com o objetivo de vender.
Desde o início, os desfiles de moda eram apresentados numa espécie de peça teatral, com enredo simples, envolvendo uma noiva, sua mãe e seu enxoval. Lucile, que fez seu primeiro desfile em 1911, chegou a reunir oitocentas pessoas em seus eventos em Paris, enquanto em Nova York, atraiu até três mil pessoas. O público era composto de atrizes, cortesãs, damas da nobreza, mulheres da moda e homens igualmente famosos, artistas, profissionais de letras e diplomatas. Na época, como agora, os desfiles de moda eram eventos sociais, a gerar a mesma comoção típica de estréias teatrais, não raro tendo de se repetir três vezes ao dia para atender à multidão. Em 1916, realizou um desfile beneficente num teatro, onde, em duas horas e meia, dramatizou-se a história de uma manequim parisiense na França destroçada pela guerra. Aulas de interpretação foram dadas às modelos para o desfile de 68 trajes. “O Sonho de Fleurette” começava com a refugiada adormecida sobre sacos de lixo, sonhando com sua vida passada em Paris:

Mostrei Fleurette, uma Fleurette gloriosa, em minha última coleção, saboreando um petit déjeuner; passeando com a amiga Dolores; escolhendo vestidos novos num grande couturière; indo a um baile; dando uma festa em casa... e assim por diante. No fim, a pobre coitada vê-se num porão, de volta à realidade, com as bombas inimigas explodindo sobre sua cabeça” - Gordon (1932: 234).

Assim como o trabalho com as modelos , a filmagem foi outro artifício usado pelos estilistas. Em 1911, Poiret foi o primeiro couturière a projetar a filmagem de um desfile de manequins para promover suas criações. Em toda a Europa e Estados Unidos, o filme era uma forma de divulgar rapidamente o trabalho das maisons para o restante do mundo. A exemplo dos desfiles de lojas de departamentos, tais filmes levavam a imagem da alta costura a uma audiência mais ampla, através do próprio processo de eternizar sua mística, a aura de exclusividade. Assim como Lucile usara o teatro para convidar a platéia feminina a se identificar com a manequim, o cinema induzia a espectadora a uma identificação específica, manipulando as imagens com vistas a promover a moda comercialmente (Herzog, 1990).
Em 1947, após a 2ª Guerra Mundial, Christian Dior lançou em Paris, a linha Corolle – eternizada como New Look – que revelou-se extravagante e teatral com a austera moda dos tempos de guerra. A editora da Vogue Bettina Ballard, assim descreveu o primeiro desfile:

Sentia-se uma tensão elétrica jamais experimentada na alta costura. De repente, toda a confusão arrefeceu, todos se sentaram, e houve um momento de silêncio que me causou arrepios. A primeira moça entrou a passos rápidos, gingando de um jeito provocante, rodopiando na sala lotada, esbarrando nos cinzeiros com a ampla saia plissada, puxando todos para a beirada da cadeira. Alguns modelos depois, todos exibidos no mesmo ritmo estonteante, a platéia soube que Dior criara um novo visual... Testemunhávamos uma revolução na moda, e também uma revolução nos desfiles de moda”.

A exceção dos grandes desfiles-espetáculos, os desfiles de costume de Haute Couture na década de 1950 e primeira metade da de 1960, costumavam se dar principalmente no ateliê do couturière, ou em outros espaços cuidadosamente escolhidos como o Hotel Georges V. Balmain alugava quartos no hotel onde, sua equipe vestindo-se de preto, acomodavam os convidados em um ambiente sem música, somente com a voz da veudeuse anunciando o número do modelo em exibição, primeiro em francês, depois em inglês. Já na maison Balenciaga, as modelos seguravam nas mãos enluvadas um cartaz com o número da criação. Podia haver no salão uma pequena plataforma ou passarela elevada, em forma de T ou semi-circular, às vezes com cortina, ou a manequim simplesmente caminhava entre as fileiras de cadeiras dispostas no espaço carpetado. Obedecia-se a uma ordem rígida de apresentação onde, o vestido de noiva encerrava o desfile, fato que permanece até os dias de hoje.

Num evento de gala em 14 de Julho, ao se abrir a tampa de um enorme porta-jóias forrado de cetim branco, como o forro da caixa. ‘Mal esboçava um sorriso irônico... que sugerisse existência de vida (Liaut 1996:147). O vestido simples e justo realçava-se com diamantes emprestados dos joalheiros Van Cleef e Arpels: colares, pulseiras, brincos e broches. De um lado, outra manequim em traje semelhante só que de azul, coberta de safiras, e de outro, uma colega de vermelho, enfeitada de rubis. Segundo Balmain, ela ‘se levantou ereta e distinta e então paralisou-se feito estátua entre as outras duas, uma bandeira da França viva. A banda tocou o hino nacional e, através das altas janelas de sacada, a chuva dourada de fogos de artifício lançou sobre o comensal satisfeito a atmosfera do Apocalipse” - Caroline Evans

Com o advento do prêt-à-porter - ou ready-to-wear - , o desfile direcionou-se à imprensa e aos lojistas, deixando de ser uma apresentação diária exclusiva a clientela. A função dos desfiles ao longo da década de 1950 e 1960, foi a de adquirir acordos de licenciamento, ao ver ameaçado seu tipo de costura com a chegada do “pronto para usar”. Perfumes, cosméticos e acessórios, lucrativamente disseminaram globalmente os grandes nomes da costura parisiense. Pode-se dizer, segundo Evans, que em resumo, “o desfile de alta costura tornou-se instrumento de marketing e não mais de venda, a propagar uma imagem de luxo e criatividade”.
Em 1966, Pierre Cardin desligou-se da Chambre Syndicale de la Couture Française, por causa de seu embargo de trinta dias quanto à publicação de fotos das novas coleções. Tal fato, remete aos desfiles da alta costura dos anos 1950, quando proibia-se a execução de esboços dos vestidos e controlava-se rigorosamente a ação de fotógrafos. Já na década de 1970 ilustradores de moda copiavam a lápis junto à passarela para os jornais as coleções , enquanto na década de 1980, fotografias dos desfiles começaram a aparecer constantemente em revistas e jornais chegando até a ganhar transmissão para todo o mundo via satélite.
Os anos 70, trouxeram a estética dos night-clubs. Como exemplo, pode-se citar o Studio 54 que influenciou não somente a cultura norte-americana, mas também a cultura de muitos países. Em 1973, os desfiles de moda parisienses viraram entretenimento, não mais visando somente a compradores. Para a modelo norte-americana Jerry Hall, a performance de passarela relaciona a moda como representação. Para ela, os bastidores dos desfiles parisienses nessa época comparavam-se aos dos espetáculos de variedades com suas shows girls(Hall 1985:48). Já para Marie Helvin, a platéia do desfile de moda da década de 1970 era: “ uma extraordinária seleção de artistas e banqueiros, empresários e jornalistas, damas da sociedade e compradores de todas as moedas e nacionalidades, sempre fervilhante na mesma semana das coleções. Vê-se também todo tipo de caricatura da moda, de elitistas estilosos a vítimas da moda.”
Outro momento dos anos 70 foi o dos desfiles conceituais, onde as criações de estilistas promoviam analogias com as belas-artes em seus desfiles. Em 1971, Issey Miyake estreou em Nova York. Seus desfiles eram verdadeiros acontecimentos com o simples uso de espaços incomuns. Em 1989 numa estação metroviária de Paris, o público acomodado em uma plataforma, assistiu as modelos desfilarem em outra. No encerramento, um trem parou e levou as modelos embora.
Thierry Mugler em 1984, realizou um desfile de prêt-à-porter com cinqüenta modelos, para um público – convidado e pagante - de seis mil pessoas. Não era a primeira vez que o público em geral comparecia a um desfile ao vivo em Paris, Schiaparelli já na década de 30, abria seus desfiles ao grande público . Refletores, trilha sonora épica e modelos em saltos de quinze centímetros e espartilho de pedrarias eram constantes nos desfiles de Thierry Mugler nos anos 80 e 90. Empresários e produtores, cada vez mais, eram chamados para organizar os desfiles que aproximavam-se de verdadeiros concertos de rock.
Gianni Versace em Março de 1991, iniciou a era das “supermodelos” ao colocar na passarela Naomi Campbell, Christy Turlington, Linda Evangelista e Cindy Crawford. A trilha sonora foi a música Freedom de George Michael, em detrimento das quatro terem estrelado o vídeo-clip do cantor. A partir de então, as modelos passaram a fazer parte do mundo das celebridades, e do mundo dos sonhos de qualquer adolescente.
Foi nesse caldeirão borbulhante de espetáculo e luxúria que, nos anos 90, gênios como John Galliano e Alexander McQueen , criando respectivamente para Dior e Givenchy, incendiaram o mundo da moda. McQueen fez as modelos andarem aparentemente sobre água e debaixo de “chuva dourada”, ou manchadas de sangue e sujeira. Já Galliano, elaborava narrativas baseadas em mulheres do final do século dezenove e início do século vinte. Uma personagem fictícia era adotada a cada desfile, em torno da qual se construía o enredo. Para a representação de personagens, as modelos faziam uso de apenas uma roupa, não havendo a necessidade da troca de roupa. Assim, além de entretenimento, o desfile não passava de vitrine da maison e, principalmente da visão do couturière.
Já no final da década de 1990, o fenômeno arte / moda, alcançou maior efeito ao resultar em produções de desfile de moda que se comunicavam através da arte performática, transformando por completo o desfile de passarela, sendo traduzido em eventos primorosamente orquestrados que emulam produções teatrais.O resultado são shows que são espetáculos de mídia totalmente desvinculado dos aspectos comerciais da indústria da confecção, mas que nem por um segundo, deixam de ser espetáculos capitalistas.
Em 1996, a exemplo de Balenciaga anteriormente, Hubert de Givenchy ao apresentar seu último desfile de Haute Couture, declarou: “Costura-se para a mulher, não para a revista”. Fica claro que a moda passou por mudanças, principalmente em relação à mídia e a imagem da Haute Couture, que tanta influência exercera na apresentação da moda na passarela.
O desfile de moda evoluiu na forma de interesse renovado na idéia de identidade como algo fluído e móvel. Nesse contexto, o desfile de moda do final do século XX e início do XXI, mesmo funcionando comercialmente como espetáculo, pode ser também entendido como forma da teatralização da identidade em meio a realidade social. Os atuais “desfiles-espetáculos” ajudam a formar a imagem individual das maisons e dos couturières, contribuindo para a consolidação de seu nome e do conceito de marca. Tais desfiles podem ser entendidos tanto no contexto capitalista quanto no da relação com imagem e identidade, já que “identidade- identificação” e “identificação-identidade” estão inseridas no contexto da moda. Tal sistema, congrega na passarela contemporânea comércio, cultura, identidade e culto de celebridades encontrando na performance da identidade,através do espetáculo, sua apoteose.
Os “desfiles-espetáculo” de moda, fora funcionarem como estratégia de marketing, podem ser relacionados com o teatro, a ópera, com filmes de longa-metragem e vídeos musicais. Assim como nas representações de palco, os desfiles exibem muito mais do que a roupas, tornando-se verdadeiras interpretações com tema , roteiro, personagens, locações específicas , números musicais e platéia, essencialmente composta por celebridades, aumentado assim, o interesse do público por moda.
As celebridades fazem um elo fundamental, já que ligam o mundo da moda ao show business. Nos desfiles, astros de Hollywood e socialites , ansiosos pelos flashes, ocupam as primeiras fileiras juntamente com os principais críticos de moda do mundo, ansiosos pela passagem das modelos devidamente produzidas. A imprensa cobre esses desfiles por causa de sua forte relação com o mundo do show business, fazendo desse palco uma plataforma para que, as criações de grandes couturières sejam presenças obrigatórias em todos os tipos de eventos que serão publicados, televisionados e relatados em revistas, jornais e pela televisão.
Entretanto, o elo final por trás das grandes produções extravagantes é, sem dúvida alguma, chamar a atenção da mídia em geral e entreter público - os dois, sedentos por espetáculo e novidades . A historiadora de moda Angela McRobbie afirma que os estilistas, ao explorarem desfiles temáticos, alimentam as fantasias e aspirações do público, tendo assim cobertura jornalística garantida em revistas e canais de televisão importantes. A cada temporada, os desfiles tornam-se maiores, melhores e, é claro, extremamente mais caros . E a cada desfile, os encerramentos tornam-se mais apoteóticos, já que são fundamentais para a cristalização do evento em si.


OBS: Esse é mais um pedaçinho da minha Iniciação Ciêntífica...

Fotografia: Desfile Christian Dior, Haute Couture Spring-Summer 1998 – Fonte: Fashion at the Edge / Spectable, Modernity and Deathliness, pg. 66.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Arte???



1- A Arte

“(...) em síntese, significa habilidade, perícia, capacidade de fazer. Assim, quem a pratica, é chamado de artista ou mesmo artesão. O efeito ou fruto do trabalho do artista é considerado uma obra de arte."

Inúmeras significações de arte - sobre arte, como arte, para arte, etc - podem ser encontradas em dicionários, livros, revistas e na Internet. A cada autor, um significado. A cada tempo, uma relação. A cada espaço, uma percepção.
Arte é a resposta da capacidade que o homem tem de vivenciar tempo e espaço correspondendo através do ato criador às suas necessidades.
Segundo a filosofia de Aranha (1993, p. 345 e 348), pode ser entendida como, “uma forma de organização e de transformar a experiência vivida em objeto de conhecimento”, sem jamais “ser a conceitualização abstrata do mundo”, afinal, “ela é a percepção da realidade na medida em que cria formas sensíveis que interpretam esse mundo”.
Para Ostrower (1978, p. 11 e 12) o homem nasce e cresce, vivenciando e adotando comportamentos através de padrões culturais, históricos e consequentemente, coletivos. Assim sendo, “desenvolverá enquanto individualidade, seu modo pessoal de agir, seus sonhos, suas aspirações e suas eventuais realizações”.
Seja o contexto que for, o homem enquanto ser consciente e sensível terá a cultura como “referência a tudo o que o indivíduo é, faz, comunica, à elaboração de novas atitudes e novos comportamentos e, naturalmente à toda possível criação”.
A arte, assim como a cultura, se transmite, se acumula, se diversifica, se complexifica, se enriquece e até se extingue.

2- O Artista

“O artista não copia o que é; antes cria o que poderia ser e, com isso, abre as portas da imaginação”.

A missão do artista é interpretar o mundo em que vive em todos os seus aspectos, tendo como fonte primeira de sua expressão artística, a imaginação e a capacidade de discipliná-la e, de dar forma a seus frutos.
Assim, ele cria dando forma a algo novo em qualquer que seja o campo de atividade, estabelecendo segundo Ostrower (1978,p.9), “relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor e dentro dele, os configurando em sua experiência do viver e lhe dando um significado”.
Para Aranha (1993, p.339 e 346), o artista “tem de ser suficientemente flexível para sair do seguro, do conhecido, do imediato, e assumir os riscos ao propor o novo, o possível”, percebendo “pelo poder seletivo e interpretativo dos seus sentidos, formas que não podem ser nomeadas, que não podem ser reduzidas a um discurso verbal explicativo, pois elas precisam ser sentidas, e não explicadas”.
Em suma, para Aranha (1993, p.346), Através de sua obra, o artista cria símbolos da natureza e da vida humana, que “são obras de arte, objetos sensíveis, concretos, individuais que representam a experiência vital intuída pelo artista”.

3- O Ato criador

A criatividade é uma capacidade humana ligada às artes, à ciência e à vida em geral. Um dos sentidos de criar é imaginar. Imaginar é a capacidade de ver algo além do imediato, de criar possibilidades novas que, com coerência, faz-se revelar certos critérios que foram elaborados pelo indivíduo através de inspirações , escolhas e alternativas.
Assim sendo, a fonte de toda criação é a imaginação que se manifesta pela projeção de imagens, dando início assim, ao processo criativo. A livre imaginação é geralmente fantasiosa e não dirigida, ao passo que a imaginação construtiva , representa um esforço consciente de criar um produto imaginário com vistas a que outros vejam, ouçam ou sintam as sensações e imagens que o próprio artista experimentou. O processo de criação desenvolve-se, em três tempos: com o artista como força primeira; o intérprete como intermediário; e o público como destinatário final.
A perceptividade de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana. Movido por necessidades concretas sempre novas, o potencial criador do homem surge na história como um fator de realização e constante transformação. Ele afeta o mundo físico, a própria condição humana e os contextos culturais.
O desenvolvimento da criatividade acontece no pleno exercício do comportamento exploratório e do pensamento divergente, incentivando o uso do imaginação, do jogo, da interrogação constante, da receptividade a novidades e do desprendimento para ver o todo sem preconceito, sem temor de errar.
A partir de um vácuo teórico, o artista concebe uma imagem; do nada gera algo vivente; do caos extrai a ordem, isto é, sintetiza, chega a uma relação de partes harmônicas. Para esse vácuo entre seu mundo e o do telespectador, o artista lança mão de um veículo, seja ele qual for, capaz de transmitir suas idéias, tornando-as assim apresentáveis a outros.
O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender, relacionar, ordenar, configurar e significar, resultando em formas concretas traduzindo-se assim, em qualquer tipo de expressão esteticamente orientada transformada em símbolos e imagens visuais, verbais, cinestésicas, auditivas ou olfativas . Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação humana de criar.
Parafraseando Niemeyer, criar é “a procura da terra com os espaços infinitos”.

4- A Obra de arte

As obras de arte, desde a Antigüidade até hoje, nem sempre tiveram a mesma função. Ora serviram para contar uma história, ora para rememorar um acontecimento importante, ora para despertar o sentimento religioso ou cívico. Foi só neste século que a obra de arte passou a ser considerada um objeto desvinculado desses interesses não artísticos, um objeto propiciador de uma experiência estética por seus valores intrínsecos.
O importante na obra de arte não é o tema em si, e sim, o tratamento que se dá ao tema, que o transforma em símbolo de valores de uma determinada época.
A obra de arte deve permanecer pelo tempo. É pois, tarefa do artista fazer o instante durar, dar permanência ao transitório. O artista é, assim, o único vitorioso na infindável luta humana contra o tempo, e a obra de arte é a cristalização de um momento, um elo entre o passado e o futuro, uma ponte entre a experiência individual e universal.


Fotografia: Irving Penn, Faucet and Diamonds from Harry Winston, 1963

OBS: Esse texto é na verdade o primeiro capítulo da minha Iniciação Ciêntífica: "Escola de Samba: A Haute Couture Made in Brazil"(2006).

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

25 Músicas no dia 25 de Dezembro...




1- Amy Winehouse - "Tears Dry On Their Own"
http://www.youtube.com/watch?v=ibyHm7kZGSo

2- Amy Winehouse - "Valerie"
http://www.youtube.com/watch?v=aijUTaDrn78

3- Cansei de ser sexy - "Alala"
http://www.youtube.com/watch?v=Y70ip5jd-GM

4- Cold war Kids - "Hang me up to dry"
http://www.youtube.com/watch?v=snQW28vYH8s

5- Coldplay - "Viva la vida"
http://www.youtube.com/watch?v=KTSG5PGCceM

6- D'Black e Negra Li - "Um minuto"
http://www.youtube.com/watch?v=05OAQREyhcw

7- Heather Headley - "Easy as life"
http://www.youtube.com/watch?v=x2PAg6neH8E

8- Depechemode - "Strangelove"
http://www.youtube.com/watch?v=x-onhFQ8HRI

9- Farinelli, Il Castrato - "Lascia chio pianga"
http://www.youtube.com/watch?v=uu1Z2PoaE5I

10- Glass Candy - "Clown"
http://www.youtube.com/watch?v=GLneUYWJpiM

11- Jennifer Hudson - "And I Am Telling You"
http://www.youtube.com/watch?v=y05er2lEEXc

12- Jimmy James - "Fashionista"
http://www.youtube.com/watch?v=sh-rYEmM2Zc

13- Kyle Minogue - "In My Arms"
http://www.youtube.com/watch?v=WEazcnHcQ1Y

14- Leona Lewis - "Bleeding Love"
http://www.youtube.com/watch?v=5-ctIC65PV0

15- Madonna - "Beat goes on"
http://www.youtube.com/watch?v=irgD1VSQ7XQ

16- Madonna - "Candy Shop"
http://www.youtube.com/watch?v=-eH0SJwCbuY

17- Madonna - "Miles away"
http://www.youtube.com/watch?v=rxg0raEd8ss

18- Michael Jackson - "Billy Jean"
http://www.youtube.com/watch?v=Dzp0JETG0Pw

19- New Order - "Bizarre love triangle"
http://www.youtube.com/watch?v=w77T0AncLKo

20- Ney Matogrosso - "O tempo não pára"
http://www.youtube.com/watch?v=ffy9GkgPV_4

21- Sarah Mclachlan - "Silence"
http://www.youtube.com/watch?v=MTZRYb34LdE

22- The Darkness - "I believe in a thing called love"
http://www.youtube.com/watch?v=6-4VOLeKBOw

23- The Strokes - "Razorblade"
http://www.youtube.com/watch?v=wNBqMeCNQKc

24- The Strokes - "You only live once"
http://www.youtube.com/watch?v=gk1fl_U1dKU

25- Envie sugestões...

Fotografia: David Lachapelle, Eminem, About to blow, 1999