terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Haute Couture




“O vestir é um modo de vida. Traz alegria para as pessoas e pode dar liberdade, além de ajudar a mulher a se descobrir e a se mover sem restrições.
O maravilhoso da minha arte é que o sonho e a realidade podem estar se tornando uma coisa só, pois é muito pequena a distância entre os dois.
Não é fácil para uma pessoa descobrir o seu estilo, mas uma vez descoberto, ele sempre trará muita felicidade e promoverá a autoconfiança.
Após tantos anos de exploração, a minha arte ainda me fascina, e digo que não conheço nada mais exultante. Muitas vezes me julguei impotente, até desesperado, mas sempre surgiram luzes no horizonte que permitiram que eu tivesse as maiores alegrias e, me atrevo a dizer, momentos de verdadeiro orgulho. Já disse o príncipe Matternich: a grande arte é durar”. -
Yves Saint Laurent

“Haute Couture” pode ser significada como uma técnica suprema para a execução da moda. Técnica suprema, pois, a alta qualidade de confecção e estética, caracterizam tal segmento que foi “fundado” no início da invenção do modernismo no meio do século dezenove em Paris. Nascente concomitantemente à máquina de costura,
[1] a Haute Couture ou a arte das técnicas da costura a mão, surge com o fim de estabelecer a distinção associada à velha regra. Na medida em que o produto de Haute Couture são peças únicas e feitas à mão, a roupa, assim como todo o ofício exigido, pode ser comparada com uma obra de arte, ao tempo em que reflete o espírito de uma época.
Patenteada na década de 1860,
[2] a Haute Couture é exclusivamente parisiense, ou seja, sua denominação de origem é controlada. Assim, com a criação da Câmara Sindical da Costura Parisiense, define-se que, o segmento só seria produzido em Paris. A capital francesa, considerada até hoje capital da moda, como o país, é sede das origens e conseqüente evolução do sistema da moda. Se foi em pedras francesas que se encontraram os primeiros registros de figuras humanas vestidas, [3] foi no mesmo solo que a dinastia dos “Luíses” se edificou. [4]

“A criação do alto estilo que encante a todos, e cultive a beleza de Paris. Estes são os ‘leitmotifs’ da Haute Couture, um trabalho que é reconhecido por aqueles que praticam a arte da perfeição, o mais simples de entender o mundo original de Paris”. - Laura Jacobs

Tendo o Palácio de Versalhes como palco e toda a corte como coadjuvantes, os “Luíses” imprimiram ao mundo um legado de prestígio, requinte, elegância, luxo e extravagância.
[5] Luís XIV, através de seus costureiros copiava os últimos modelos usados pelo monarca inglês Charles II e estabelecia como uniforme para seus empregados, a fim de desmoralizar o rei e a corte inglesa. [6] Ele, mais do que qualquer outro monarca, estabeleceu padrões dos mais variados possíveis, que se propagaram como fontes de estilo: “Luís XIV, o Rei Sol, leva para a França o prestígio de ser o epicentro definidor e divulgador de modos e modas, sejam eles masculinos e/ou femininos”. [7] Como todo espetáculo tem sua apoteose no final, toda uma era de teatralização à custa do povo, culminou com cabeças reais na guilhotina. [8]
Nas casas de costura, habilidades foram constituídas para a confecção de vestidos e para a alfaiataria, assim como em oficinas auxiliadas para habilidades relacionadas e ornamentais. Afinal, essa visão da costura, requereu não somente a liderança e a vontade de um couturier
[9], mas a potencialidade de todo um escalão de profissionais, que amparavam e permitiam a execução das idéias do mesmo. Seu “fundador”, se assim pode-se dizer, foi Charles Frederich Worth:

“Nascido em Bourne, Lincolnshire, Inglaterra. Começou a trabalhar aos doze anos, numa loja de cortinas em Londres. Um ano depois, iniciou um aprendizado de sete anos no armarinho Swan & Edgar, vendendo xales. Depois de trabalhar por pouco tempo na loja de sedas Lewis & Allens, Worth foi para Paris, em 1845. Seu primeiro emprego na capital francesa foi na Maison Gagelin, onde vendia Mantos e xales. Cinco anos depois, abriu um departamento de costura na loja. Em 1858, Worth fez sociedade com um negociante sueco, Otto Bobergh, e estabeleceu seu próprio ateliê”. - Enciclopédia da Moda

Ao mesmo tempo em que se destacava como desenhista, ele começou a fazer vestidos para sua esposa, Marie. Mas foi a partir de 1871, que dirigindo a casa de costura da Rue de la Paix sozinho, introduziu coleções durante o ano, proporcionando assim, mudanças constantes na moda de forma a promover as vendas. Assinando os seus vestidos como se fossem obras de arte, Worth trouxe uma forma mais agradável à crinolina, alisando a parte dianteira das saias e arrepanhando o tecido atrás
[10]. Aderiu a uma veste que ia até os joelhos e era usada sobre saia longa, caracterizado como vestido túnica, na década de 1860. Em 1869, elevou a cintura e criou uma espécie de anquinha traseira.
A expansão do patrocínio cultivado pela casa de Worth, permanece dependente em cima da sustentação considerável da Imperatriz Eugenie, esposa de Napoleão III. Sendo o preferido por ela, Worth teve seu sucesso propiciado pela influência e apoio da imperatriz, que ao solicitar o primeiro encontro com o couturier, já teve seu nome alçado ao desejo de qualquer mulher. Em 1870, com a queda do Segundo Império, Worth fechou sua maison, reabrindo no ano seguinte e, continuando o seu ofício,além de ter como clientes a nobreza européia e a sociedade internacional, passou a vestir atrizes como Sarah Bernhart e Eleonora Duse.
Famoso por seus vestidos toalete, criava para algumas clientes, coleções completas de roupas para todas as ocasiões. Ao redefinir a forma feminina e os contornos da moda com as modificações na crinolina e nas anquinhas, passou com os anos a eliminar o exagero de babados e adornos. Worth, com sua visão comercial foi considerado um excelente “vendedor” em seu apostolado pela moda.
[11] Seus trajes e, conseqüentemente os trajes da moda na época, [12] podem se descritos como: Vestidos com recortes, cobrindo corsets de espinhas de peixe; mangas abalonadas nos ombros, presas no cotovelo e justas até o pulso; colarinhos estreitos e compridos; saias compridas até o chão, com ancas amplas e pregas traseiras formando uma pequena cauda; e chapéus com exuberantes plumas de avestruz.[13] Sua influência foi tamanha, que fez com que fabricantes de seda da cidade de Lyon, fabricassem tecidos inspirados em suas cópias de ricos tecidos.
Como uma espécie de associação de artesãos, foi criada em 1868, a Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, constituindo-se assim uma união presidida sobre os diversos comércios de costura da França. Mas foi somente em 1885, sob a presidência de Gaston Worth, que ela adquiriu seu título ao concluir que a crescente concorrência entre os couturiers, exigia um gerenciamento mais específico e coerente. Passou a se denominar Chambre Syndicale de la Couture Française e estabelece os critérios pelos quais uma maison ganhe o status de Haute Couture. Ao supervisionar o trabalho de seus associados, começou a atuar sobre: as relações de trabalho; coordenação de coleções, ou seja, quem mostra quando dentro de qual período de tempo; sobre o registro e monitoramento de compradores de lojas internacionais e da imprensa estrangeira; sobre a direção das escolas da Chambre e sobre a administração dos regulamentos
[14]. Em 1911, a primeira denominação voltou novamente, e, passou a limitar o número de associados, bem como, estabeleceu outras diretrizes e regras rígidas para o funcionamento de uma maison de Haute Couture.
Um grande problema, já encontrado no início e, jamais solucionado pela Chambre foi a pirataria. Embora cada peça fosse registrada antes da exibição em um arquivo que incluía um esboço, uma fotografia e uma amostra do tecido, a reprodução foi inerente em toda a sua história. Qualquer que fosse a inovação ou tendência, irradiava-se pelo mundo afora. “Uma das razões pelas quais Coco Chanel nunca se juntou a Chambre foi porque ela achava que era uma hipocrisia estabelecer um estilo, e então trata-lo como segredo de estado”.
[15]

“A alta costura é dirigida por suas próprias aspirações para a distinção (...)”.
[16]

Mas é na Exposição Mundial de 1900, em Paris, que a Haute Couture exibiu-se perante o mundo, no Pavillon de L’Élégance. Tendo como modelos atrizes e cantoras, alguns costureiros consagrados, entre eles, Worth, Doucet e Paquin
[17] apresentam suas criações únicas e caras. A partir de agora, a moda vislumbrava não somente as cortes, boulevards, casas de ópera e cafés, mas a todo um público internacional sedento por espetáculo. Os couturiers passaram a partir de agora, a serem reconhecidos, do mesmo modo que Paris passou a ser o centro irradiador da Moda.
Com o novo século, pode-se dizer que a Haute Couture foi dramaticamente transformada em sua estética. Dispensado da Maison Worth, Paul Poiret eliminou o corset da vestimenta feminina, liberando a mulher, fato que médicos e ativistas femininas não haviam conseguido. Inicialmente a consciência de individuo de Poiret foi atacado pela maison de Worth como de não merecer a tradição da Haute Couture que Worth incorporou. Mas de qualquer forma, o novo comando progressivo do século foi permanecido inexoravelmente. As explorações e as inovações realizadas por Madeleine Vionnet,
[18] Jeanne Lanvin, Gabrielle Chanel, Cristóbal Balenciaga e por outros, foram também transformações vindouras do novo século. Século esse que, firmou-se os meios de comunicação necessários para difundir a moda.[19]

“Houve um tempo em que, os vestidos eram como monumentos, feitos de tecidos preciosos trazidos de terras distantes. Eram montados um após o outro – construídos da mesma forma que um arquiteto constrói uma casa -, devagar, com infinito cuidado. Não eram apenas para deslumbrar os olhos, eram feitos para durar mais que a geração que os concebia”.
[20] - Marcel Vertes

A Haute Couture pode ser dividida em sua estrutura em dois segmentos: Flou, confecção de vestidos; e Tailler, confecção de ternos e casacos. Após a idealização da peça pelo couturièr, a modéliste traduz o croqui e confecciona através da moulage com toile
[21], a estrutura da mesma. Após tal confecção, hábeis artesãos especializados em suas respectivas áreas, participam da continuidade da peça, do mesmo modo que outras oficinas passam a realizar a confecção de acessórios e ornamentos que provavelmente venham a compor a mesma. As habilidades dos artesãos são fundamentais para a criação. Concentrados em vários ateliês, obedecem a uma rigorosa hierarquia: o couturièr; a diretora de vendas, responsável pelos preços das peças assim como da administração financeira da maison; a modéliste, responsável pela estruturação da peça; as costureiras de primeiro e segundo nível, que trabalham aos pares nas salas de trabalho que por vez, possuem uma chefe que é a ajustadora; as aprendizes denominadas arpettes, entre outros.[22] Após a confecção da estrutura, o fitter conduz a cliente a uma série de provas, determinando assim ajustes minuciosos do traje ao tamanho da mesma. Worth estabeleceu à tradição que ajustou sua empresa a parte da confecção dos trajes ao mostrar coleções inacabadas, permitindo que os mesmos indicassem a sua estética para a cliente selecionar os projetos vantajosos.

“A prática do luxo permanece mantida pelas habilidades da mão que falam, por elas mesmas, do domínio, delicadeza e etiqueta. O que distinguiu a costura do traje de uma peça pronta é o trabalho com as mãos não funcionando como aumento do luxo, mas a capacidade intrínseca do traje. Desta forma, o bordado, o laço e penas (...) não são na verdade decorações que finalizam o traje, mas seus principais elementos permitem a criação que são os moldes do processo do projeto. Mesmo que praticado fora das maisons de couture, são inerentes nos projetos da Haute Couture”. - Haute Couture – O Museu Metropolitano da Arte

Enquanto a alfaiataria trabalha com a linha dimensional do corpo através de verdadeiros projetos de segmentos com telas firmes, a confecção dos vestidos procura formas esculturais com o uso de tecidos mais pliant, ou seja, mais maleáveis e suaves. Inúmeros ateliês localizados fora das maisons constituem-se verdadeiras oficinas de artesãos. Entre esses “metiers”, podem-se citar os que desenvolvem luvas, bordados com pedras preciosas, esmalte e trabalho de madrepérolas, chapeleiras, sapateiros e plumeiros. Os mestres de tais oficinas distinguem a costura de outras artes visuais, pois por exemplo, uma bordadeira pode fazer uma apresentação fictícia de jóias em um vestido ou mesmo recriar uma pintura, enquanto certos trabalhos com plumas articulam a forma de cada pena fornecendo assim, um controle absoluto fundado em ofícios antigos. Graças a tais artesãos, por exemplo, Schiaparelli tornou-se caracterizada pelos bordados do Ateliê Lesage, enquanto Lanvin tornou-se sinônimo do uso do trabalho com penas.
Tais ofícios, foram a justificativa de Lucien Lelong, presidente da Chambre Syndicale de la Haute Couture, dada aos nazistas quando Adolf Hitler quis em 1940 transferir a Haute Couture para Berlim. Sua justificativa baseara-se na sinergia entre as maisons e as oficinas, já que centenas desses haveriam de transferir-se para a capital alemã também. Estima-se nos dias de hoje, que cerca de trinta e cinco mil postos de trabalhos na França, participavam desse universo ímpar.
[23]

“Na verdade a Haute Couture tem um histórico invejável no departamento de perpetuação. Não apenas não fechou durante qualquer guerra – uma admissão de oral derrotada que poderia ter mais impacto no mundo do que se acha – ela foi na verdade desafiadora durante a ocupação. Criando roupas que eram crescentemente frívolas e absurdas, os couturiers decretaram desperdícios e extravagâncias propositais no uniforme das francesas patrióticas, um inconfundível acinte contra os invasores que podiam roubar recursos mas não roubar almas”. - Laura Jacobs

A persistência da Haute Couture nos períodos pós-guerras foi especulada e questionada, mas vingou-se sobrevivendo e florescendo com o “New Look” de Christian Dior em 1947.
[24] Do mesmo modo que a novela de Victor Magueritte, La Garçonne,[25] de 1922, inspirou as mulheres no pós-primeira Guerra, Dior o fez com o “New Look”. Tal renascimento da costura após uma guerra, foi subsidiado por muitos clientes norte-americanos, já que a economia européia ainda se recuperava em meados da década de 1950. A Couture permitiu assim, a restauração da estrutura econômica exigida por ela, perdurando seu sistema através do apelo da costura visual e da exploração de sucessos populares.
Após a guerra, nomes como Jacques Fath e Pierre Balmain iniciaram carreiras de sucesso na Haute Couture. Mas foi com a exposição “Theâtre de la Mode” em 1945, que a Chambre Sydicale de la Couture Parisienne organizou por todo o mundo, conseguindo mostrar a extensão da cultura e criatividade francesa aplicadas à moda. Tal exposição consistia em manequins em miniatura vestidos com trajes de Haute Couture.
Após seguir uma década de 1950 esplendorosa,
[26] a Haute Couture viu-se durante os anos 60 em uma cultura fervilhante. A corrida armamentista, o assassinato de John F. Kennedy, os Beatles, o movimento estudantil e a chegada do homem a lua em 1969, foram o cenário para o ready-to-wear norte americano ou prêt-à-porter francês. A produção em massa, chegava finalmente ao mundo da moda. Pierre Cardin foi o primeiro couturièr sindicalizado a apresentar uma coleção de prêt-à-porter. Adentrando o mundo da moda masculina, até então restrita aos alfaiates, estabeleceu o estilo unissex e antecipou o estilo hippie, que viria com força e ideologia totais, nos anos de 1970. Yves Saint Laurent foi outra figura vinda da maison Dior que, além de relacionar a moda com a arte, adentrou o mundo da costura em massa com sua griffe “Saint Laurent Rive Gauche” em 1966.

“A vida que apoiou a costura acabou. A costura real é um luxo que é simplesmente impossível de fazer mais”. - Cristobal Balenciaga

De lá para cá, o mundo evoluiu, o muro de Berlim caiu e a Haute Couture persistiu ainda mais. Depois da Segunda Guerra Mundial, Paris contava com cerca de cem maisons de Haute Couture. No período de 1966 a 1967, caiu de trinta e nove para dezessete maisons. Em 1987 contava com 24 maisons e em 2005 com apenas vinte. Muitas dessas maisons passaram a pertencer a grupos empresariais que, as transformaram em suntuosas vitrines para o prêt-à-porter, artigos para tratamento e beleza da pele, perfumes e cosméticos, muito mais lucrativos. A LVMH (Louis Vuitton - Moët-Hennessy), presidida por Bernard Arnault, controla o grupo Dior, Givenchy e Christian Lacroix, assim como as marcas de prêt-à-porter de luxo Louis Vuitton, Céline, Kenzo, Fendi e Pucci.
Já o grupo francês de luxo Hermès possui hoje 35% de Jean-Paul Gaultier, enquanto o grupo italiano Ferragamo é o acionista majoritário de Emanuel Ungaro. Por sua vez, a maison Chanel continua pertencendo à família Wertheimer, associada desde 1924 à criadora. A diminuição do número de modelos a serem apresentados e do número de funcionários nos ateliês, foram critérios adotados pela Chambre, visando suavizar os gastos das maisons.
[27]

"Se você começar a falar de preços, vai desmitificar a alta-costura, (...) talvez choque algumas pessoas. Mas se você matar o sonho com preocupações com dinheiro, é capaz de matar seu gosto pela moda".
[28] - Stephane Rolland

Vários nomes conhecidos do prêt-à-porter como Thierry Mugler, Versace e Jean Paul Gaultier, passaram a desenvolver linhas de Haute Couture. Como a cada coleção muitas maisons deixavam de apresentar suas coleções ou, simplesmente encerravam suas atividades, a Chambre viu-se forçada a partir da década de 1980 a abrir concessões e a convidar grandes nomes da moda a adentrarem o universo da Haute Couture, adquirindo assim, novidades para o segmento.
[29] Com o número cada vez menor de clientes, as maisons passaram por processos de reformulação, como a venda de suas ações para grupos empresariais, como foi já foi citado. Para Christian Lacroix, que diz ser suas clientes "As princesas do Oriente e as mulheres americanas”,[30] o segmento:

"A Haute Couture não acabou, (...) não saiu de moda neste novo milênio. (...)
Embora seja difícil, deve-se enfrentar a realidade: uma casa de alta costura não pode viver sem clientes. As costureiras das oficinas ganham a vida com os pedidos de vestidos de verdade para clientes de verdade. (...) Os estilistas devem lutar por esta forma alternativa de se criar moda, tão mais autêntica do que todas essas linhas triviais e desgastadas. (...) No mundo globalizado as pessoas buscam cada vez mais a individualidade, a diferença e a roupa singular. (...) Devemos explorar o investimento na alta costura de forma mais inteligente, usando essa criatividade única para traduzi-la em outras linhas. (...) Está tudo nas nossas mãos e o mundo está pronto para uma nova forma de vestir, inspirada na alta-costura. (...) Às vezes penso que o mundo da moda pode ser comparado com um governo ou algum tipo de administração estatal preocupado apenas com o curto prazo, sem nenhuma ligação com o mundo de hoje ou a idéia de futuro. (...) Certamente devemos redefinir também um novo prêt-à-porter de luxo. Mas isto não pode ser feito sem a alta-costura".
[31]

A Fédération Francaise de la Couture du Pret-à-porter des Couturiers et des Createurs de Mode
[32] está transformando lentamente a semana de Haute Couture, em uma semana de superluxo. Uma crescente combinação dos desfiles com lançamentos de alta joalheria, sapatos, acessórios, perfumes e chocolates, pode ser observada na semana destinadas aos desfiles. Tal federação contou com as seguintes participações para os desfiles de Haute Couture, outono-inverno 2006-2007, ocorridos entre os dias 5 e 7 de Julho de 2006:

- Membros: Adeline André, Chanel, Christian Dior, Christian Lacroix, Dominique Sirop, Franck Sorbier, Givenchy e Jean Paul Gaultier.

- Membros Correspondentes: Giorgio Armani e Valentino.

- Membros Convidados: Anne Valerie Hash, Carven, Elie Saab, Felipe Oliveira Baptista, Martin Margiela e On Aura Toutuu.

Os atuais desfiles-espetáculos de Haute Couture, que para alguns não passam de modelos carregando ilusão e sonho nas passarelas, com uma bela trilha sonora de fundo, constituem a vitrine fantástica e ilusória necessária à sobrevivência de tal seguimento. Giorgio Armani, recém convidado a desfilar Haute Couture com a etiqueta Armani Privè, diz gostar muito de John Galliano por sua genialidade e poesia louca, e sobre o fim da Haute Couture diz:

“Ela está mudando. Ainda há algumas pessoas que procuram por ela, existem mulheres que têm muito dinheiro e querem se vestir de maneira diferente, personalizada, e pagam por isso. Só que são poucas as que podem ter um vestido de sonho. Ele é o topo. É como ter um diamante grande: a maioria das pessoas comprará outros parecidos, mas menores, caso do prêt-à-porter, em que as coleções estão muito próximas da realidade”.
[33]

Muito se especulou e se debate sobre o declínio e o fim da Haute Couture. Tal tendência-profecia julga-se por alguns historicamente improvável. Por mais que as circunstâncias econômicas não favoreçam e o seu consumo tornando-se quase nulo, ela oferece com a costura, a distinção do projeto e da técnica que remanescem mais potentes, quando muito outra qualidade tenha atrofiado. Há tempos deixou de ser soberana ou ditatorial como fora uma vez, em dirigir todos os padrões da forma. Hoje a Haute Couture, mais do que um objeto de culto, é um experimentar estético
[34] em que estima as habilidades extraordinárias que continuam a ser praticadas, persistindo assim, como um paradigma do belo, da distinção e, talvez, da efemeridade das artes.

“A seda e o cetim não duram como a tinta numa tela, e além disso, quantos Picassos foram manchados por champagne ou por um canapé? As tendências na moda giram suavemente comparadas aquelas da música sinfônica ou ópera, aonde um louco, digamos modo, pode estar em voga em várias décadas. E ainda, um grande vestido na mulher certa pode ser tão importante e inesquecível como uma grande ária no soprano certo. Uma apologia puritana está em funcionamento quando o amor pela costura é considerado frívolo, porque são essas silhuetas que abrigam as esperanças momentâneas de uma geração, pegam as pressões atmosféricas do sexo, da classe, da alma e do caos e os embrulham em um pacote íntimo e sábio. A Haute Couture pode alegar poesia e dança como irmãs nas artes, a primeira por causa de seu destaque em interiores escondidos e sua forma de estrutura, a segunda pelo seu destaque na forma do corpo e vontade de mover, seu brilho luminoso. A Haute Couture junta a perfeição e a metamorfose em um equilíbrio surpreendente. Nisso ela esta sozinha entre as artes”. - Laura Jacobs





[1] A máquina de costura recebeu modificações no ano de 1851 de Isaac Merrit Singer, e demonstrou ser um instrumento para o maior rendimento da confecção de roupas, propagando-se rapidamente pelo mundo.
[2] LUPINACCI, Helóisa. Artigo da Folha de São Paulo: “ Mundo da moda fala francês com sotaque”.
[3] No mesmo artigo citado acima, a autora menciona o registro de figuras humanas usando folhas de árvores como “roupas” .
[4] Por dinastia dos “Luíses”, entende-se os reinados de Luís XIV, Luís XV e Luís XVI.
[5] Em KÖHLER (2001), observa-se que o marco inicial da revolução na revolução francesa se dá no casamento de Luís XIII com Ana da Áustria, em 1615.
[6] Em LAVER (2005), verifica-se o episódio onde o rei inglês, em outubro de 1666, em uma tentativa de se libertar da moda francesa, adota a maneira oriental de vestir. Menos de um mês depois, Luís XIV ordena que seus criados usassem trajes semelhantes do mesmo modo que os nobres franceses. Mas ainda segundo Laver, um dos primeiros exemplos de uma moda francesa se impondo na Inglaterra quase de imediato foi a das perucas fontage na década de 1690.
[7] BRAGA, João. (2005). Texto: “A Moda espetáculo e o Espetáculo da Moda”. Com a monarquia absolutista, a França obteve grandes avanços nos mais variados setores como o têxtil e o de cerâmicas. Com o embargo dos portos orientais, os franceses se “industrializaram”, passando a ter grandes tecelagens na cidade de Lyon e. Como exemplos, pode-se citar a Manufatura Real de Porcelana de Sévres e a Compagnie de Saint-Gobain, essa responsável pela construção dos espelhos do Palácio de Versalhes, que criada em 1665, foi parte de uma estratégia do Rei Luis XIV, objetivando restaurar a economia na França.
[8] Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta foram levados à guilhotina, iniciando-se assim a Revolução Francesa. Muitos autores notabilizam a consultora de estilo de Maria Antonieta, Rose Bertin, como os indícios do início da Haute Couture. Rose, segundo JACOBS, foi tecnicamente falando mais uma consultora de criação de alto estilo do que uma couturière, já que ao invés de impor sua visão em roupas de design próprio, ela trabalhava com suas clientes com espírito de colaboração. Maria Antonieta, por vez fonte de estilo para as mulheres, teve uma peça do vestuário denominada chemise à la reine. Era na verdade um vestido-camisa de cintura alta que daria origem mais tarde ao vestido império.
[9] Para Worth, que combinava a técnica inglesa de corte com a elegância francesa, foi inventada a palavra couturier, pois até então só tinham existido couturières, costureiras de corte simples.
[10] Em 1864, o próprio aboliu a crinolina, elevando as saias na parte de trás, formando também uma cauda.
[11] Charles Frederich Worth morreu em 1895 deixando seus dois filhos, Gaston Worth e Jean Philippe, o negócio que passou por 4 gerações antes de ser adquirido pela Maison Panquin em 1954. Gaston, além de administrador, foi o primeiro presidente da Chambre Syndicale de la Haute Couture, organização criada para proteger da pirataria, os estilistas. Já Jean-Philippe, assim como o pai, ficou conhecido pelos modelos toalete.
[12] Tal descrição de estilo é característico da “Belle Èpoque”, época onde a silhueta em “S” define mais facilmente tal estilo.
[13] As plumas de avestruz tornaram-se o adorno mais desejado, já que o seu preço elevado as transformava num símbolo de status social.
[14] Em 1914, por exemplo, um esforço para assegurar o fluxo de caixa decretava que os trajes não fossem pagos na hora da entrega, mas sim na hora do pedido. JACOBS
[15] JACOBS
[16] MARTIN, Richard e KODA, Harold. Haute Couture.
[17] Jeanne Paquin foi a responsável pelos nomes para a exposição. Ela firmou seu nome não somente como grande costureira, mas como uma criadora de moda também.
[18] Vionnet ficou conhecida pela utilização de técnicas de corte do tecido. Entre suas inovações, destacam-se o corte em viés e o corte em godet.
[19] A Vogue começou a ser publicada em Nova York no ano de 1892 e a Gazette du Bom Ton em 1912 em Paris.
[20] Ilustrador de moda da 1ª metade do século XX.
[21] Espécie de musselina usada para se tirar o molde, para somente depois fazer uso do tecido original.
[22] Tal hierarquia foi implantada por Worth em sua maison e tornou-se exemplo para as outras casas. Permanece pouco alterada nos dias de hoje, pois a Chambre Syndicale de la Haute Couture faz uso de certas tradições e protocolos.
[23] Em 1940 uma resolução limitava a metragem de tecido para a confecção de roupas. Como exemplo, quatro metros de tecido era o máximo permitido para a confecção de um abrigo, ao mesmo tempo que para comprar rayón, um dos poucos materiais disponíveis durante a guerra, era necessário cupons de abastecimento.
[24] O termo “New Look” foi dado pelo editor e jornalista Carmel Snow. Entusiasmado em 1947, com a coleção de Dior ao dar um olhar novo às habilidades finais da costura.
[25] O estilo garçonne predominou na década de 1920 e caracterizava-se por vestido solto de cintura baixa, cascão curto e chapéu. Chanel mais do que qualquer outra, imprimiu sua aura de mulher independente com esse estilo característico. Ela propôs uma nova estética do vestir, uma nova forma da mulher encarar o seu novo papel na sociedade.
[26] Durante a década de 1950, a moda de Paris era a segunda maior indústria de exportação na França, perdendo apenas para o aço. Fonte: Laura Jacobs.
[27] Fonte: Folha Online - 06/01/2002 – “Alta costura parisiense está reduzida a doze firmas” . Nos dias atuais, a Chambre exige além da confecção de cerca de setenta por cento da roupa costurada à mão, a produção por no mínimo vinte pessoas, de setenta e cinco peças novas e originais, seja para o dia e para a noite, assim como a apresentação de duas coleções anuais (Primavera-verão e outono-inverno).
[28] Stephane Rolland é estilista da Scherrer. Fonte: Folha Online – 12 /07/2001 – “Desfiles de Paris se inspiram em ‘viagens’ no tempo e no espaço”. O preço de uma peça de Haute Couture é certamente algo a ser discutido. Ver mais em Anexo.
[29] Para os novos membros, a Chambre instituiu a realização de pelos menos vinte e cinco peças para cada coleção, dia e noite, além da confecção por pelo menos dez pessoas em seu ateliê. Já para os futuros convidados, o número passa para quinze pessoas e o número de peças para trinta e cinco cada coleção.
[30]"The Essence of Haute Couture" - Documentário canadense da Fashion Television, exibido no Brasil pelo canal GNT.
[31] Christian Lacroix criou sua maison em 1987, graças ao consórcio mundial de luxo LVMH. Fonte: Folha Online - 02/07/2004 – “Estilista Christian Lacroix diz que alta-costura não saiu de moda”.
[32] Federação francesa que une os criadores de prêt-à-porter e os de Haute Couture. Estabelecida em 1973 funciona como órgão executivo de cada câmara do sindicato. Tal federação é composta pela Câmara do Sindicato de Alta Costura, pela Câmara do Sindicato de prêt-à-porter dos costureiros e dos criadores da Moda, e pela Câmara do Sindicato da Moda Masculina. Com aproximadamente cem membros, ela estabelece Paris como capital do mundo da criação e defende a propriedade intelectual de direitos como: etiquetas, criações, royalties, desenhos de moda e modelos. Fonte: www.modeaparis.com
[33] Entrevista de Giorgio Armani concedida a Bel Moherdaui, publicada na Revista Veja de 06 de Outubro de 2004.
[34] Experimentar estético no que tange à fantasia e ao superescapismo.
Foto: Desfile Christian Dior Haute Couture Spring/Summer 2004 - Fonte: Style.com
OBS: Esse é mais um "pedaçinho" da minha Iniciação Ciêntífica hein!!!

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