domingo, 14 de dezembro de 2008

"Fantasia: O emblema da Realidade"





Moda: “O espetáculo do brilho, do fausto, da exuberância, da visibilidade e da excentricidade retrata o nosso tempo (final do século XX e início do século XXI) e, como diz com muita propriedade o francês Guy Debord, é a ‘Sociedade do espetáculo’.” (Braga, 2005, p. 71 e 72). Se a roupa em si materializa a essência da personalidade de quem a veste, constituindo uma linguagem que possui assim, significado, função e comunicação, teria a moda facetas que permeiam reflexos de fantasia em meio a realidade?
No mundo, ficcionaliza-se a vida, fabrica-se o real
[1]. Vive-se em um mundo de metáforas, mesmo sabendo que toda metáfora seja um relato figurado, ganhando mais em consciência e perdendo em precisão conceitual[2]. Dada a Realidade, sendo a busca da verdade, de sentido e de significação, correntemente encontrar-se-á o conceito de Fantasia, como obra ou criação da imaginação; como sendo uma forma de amenizar a visão de uma verdade não muito agradável e livre das pressões do real. Mas, quando se trata de afirmar a Realidade, a Fantasia não pode ser negada, pois, ela é condição primordial da primeira.
Segundo Merengué
[3], Realidade e Fantasia são conceitos absolutamente relacionados e relacionáveis, mas que não se determinam, necessitando a Fantasia da Realidade para ganhar corpo, e, a Realidade da Fantasia para não permanecer rígida e imutável.
Enquanto Freud relaciona a fantasia a um mecanismo ligado ao princípio do prazer e distanciado do mundo externo onde o indivíduo a utiliza como uma busca da satisfação por meio da ilusão, Jung diz ela expressar o fluxo ou agregado de imagens e idéias vindo do inconsciente, que produz uma atividade imaginativa, espontânea e criativa da psique. Para Jung, seria ela o resultado da união dos conteúdos inconscientes e conscientes, tendo como base arquétipos adquiridos
[4].

“É no Arquétipo, conceito criado por Jung – palavra grega que significa tipo ou modelo primordial – que os símbolos têm a sua fonte e raíz. Por estarem tão profundamente radicados no nível coletivo do inconsciente humano, estes arquétipos pouco mudam com o passar dos tempos e com a evolução das culturas. Contudo, não são estáticos e muito menos estagnados. Estes arquétipos (fonte de todos os símbolos) são, portanto, as ‘palavras’ da linguagem simbólica”.
[5]

Dado que o corpo seja “apenas o suporte para a matéria que se transforma em cores, volumes, formas e consequentemente, estilo e/ou moda”
[6], admite-se à Fantasia, a possibilidade de incorporar as mais diversas identidades, permitindo desta forma, a interpretação de personagens, a invenção de signos, emblemas e símbolos. Para Bourdier (2003, p. 7 e 9), os símbolos exercem uma função social através de uma integração social, onde o poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido imediato do mundo, e em particular, do mundo social.
Bueno
[7] diz que as pessoas vivem conforme as expectativas dos grupos sociais, onde, aprendem a ser conforme os outros os querem ver e, ao questionar sobre as fantasias liberadas para a supressão do real, chegou à conclusão de que há uma:

“(...) necessidade humana de elaborar e liberar fantasias (...) como uma catarse provocada pela própria sociedade normótica, isto é por uma sociedade que se tornou doente de si mesma, de uma forma narcisica e castradora do crescimento humano”.

Ao observar a moda então, como uma catarse, parece figurar um paradoxo de identidade, já que ao aceitar a realidade do mundo conforme ela nos é apresentada, as fantasias e máscaras encarregam-se de resgatar inversões carregadas de simbolismos. Simbolismos esses, que são explicitados no período barroco
[8], em uma época distinta a essa que se vive, mas que, alguns elementos ainda permanecem na atualidade. Vê-se no barroco um tempo onde – para Janson (1996, p. 257) - os espaços e ações tinham “por objetivo dominar emocionalmente o espectador, podendo ser chamados de ‘teatrais’, tanto por seu espírito quanto pelos artifícios empregados”. ; onde o conceito de beleza apresentava uma expressão máxima de ostentação e teatralização – apelando para os instintos, para os sentidos, para a fantasia, para o fascínio[9] -, onde meninos castrados eram aceitos e adulados pela sociedade.

“Vê-se na sociedade barroca, principalmente a italiana, algumas extravagâncias, na busca pelo prazer e pelo gozo, seja ele estético ou corporal. Diante dessa realidade na qual o travestimento faz parte do cotidiano, talvez os castrati tivessem um papel bem definido (...) Depois de adultos transitavam entre o mundo dos homens e das mulheres, mas algumas vezes os rapazes assumiam papéis que eram considerados imorais e mostravam a dificuldade de definição do seu sexo/gênero, mesmo em uma sociedade liberal como a barroca italiana”.
[10]

Considerando que a moda seja um dos elementos que sai do lugar comum para a fantasia, ela torna-se uma peça iconográfica que serve para expressar individualidade, ao tempo em que trabalha em um universo metafórico. Extraída do Barroco, a figura dos castrati – representado aqui em Farinelli e fundamental para a coleção aqui apresentada -, tal como a moda, coloca em questão valores estabelecidos da realidade através da fantasia. Intervenções com o objetivo de adequar o corpo aos padrões sociais e culturais, do mesmo modo como o “revelar-me” ao outro, são reflexos fantasiosos de realidades distintas, e que, mesmo inconscientemente, formam uma linguagem que exprime um significado, um emblema.






Foto: Madonna por Herb Ritts, 1991. Fonte: Herb Hitts Work: Notorius, 1996.



[1] Filho, Ciro Marcondes: (1994, p. 40).
[2] Caldas, Dario: (1997, p. 196).
[3] MERENGUÉ, Devanir. Disponível em .Acesso em: 16 mar. 2007.
[4] Disponível em . Acesso em: 09 ago. 2007.
[5] BUENO, Marcos: Por que no Carnaval as pessoas soltam as fantasias nas fantasias? – Disponível em . . Acesso em: 08 ago. 2007.
[6] Braga, João: (2005, p. 19) Para ele a moda advém e é a diluição do estilo.
[7] Disponível em - - Acesso em 04 ago.2007.
[8] Barroco é o temo artístico utilizado para designar o estilo artístico do período que vai de 1.600 a 1750, tendo como local de origem a cidade de Roma, e como expressão máxima o classicismo francês de Luís XIV. Destacam-se nesse período, nomes como: Bernini, Caravaggio, Rubens, Velázquez, Rembrant e Vermeer.
[9] Melo apud Conti (1978, p.4)
[10] Artigo “Nem homens nem anjos: O papel social dos Castrati na Itália Barroca. Disponível em Acesso em 12 jul. 2006.






OBS: Na verdade... esse é o primeiro capítulo da minha monografia de conclusão de curso: "Pagliacci... larguem minha fantasia!!! - Fantasia: O emblema da Realidade".

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